VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR E DESNUTRIÇÃO CRÔNICA INFANTIL: ESTUDO CASO CONTROLE
Claudio Torres de Miranda1,Angela Cristina Dornelas da Silva2,Isabel Altenfelder Santos Bordin3,Cristiane Silvestre de Paula4,Telma Toledo Florêncio5 y Adriana Toledo de Paffer6
1, Universidade Federal de Alagoas, Alagoas, Brasil
2, Faculdade de Nutriçao, Universidade Federal de Alagoas, Alagoas, Brasil
3, Faculdade de Nutriçao, Universidade Federal de Alagoas, Alagoas, Brasil
4, Faculdade de Nutriçao, Universidade Federal de Alagoas, Alagoas, Brasil
5, Faculdade de Nutriçao, Universidade Federal de Alagoas, Alagoas, Brasil
6, Faculdade de Nutriçao, Universidade Federal de Alagoas, Alagoas, Brasil
Alagoas, Brasil (SIIC)
Não foi detectada diferença significativa nos níveis de violência contra a criança e contra a mulher comparando as famílias de crianças desnutridas e de eutróficas.
Introdução
Ackerson e Subramanian em 2008 sugeriram que a exposição à violência doméstica é um fator que pode estar associado a estados de má nutrição entre mulheres e crianças. O estresse psicológico gerado na mulher que sofre violência e na criança que testemunha as agressões ou que também sofre violência poderia causar desinteresse pela alimentação levando a um estado de má nutrição.
A saúde mental materna pode ser um dos elos entre a violência doméstica e a desnutrição infantil. Estudos demonstram que a violência praticada por parceiro íntimo está associada a transtornos mentais em mulheres.
Por outro lado, estudos constataram associação entre transtorno emocional na mãe e desnutrição infantil.
Em situações extremas, Hansselmann e Reichenhein em 2006 estudando crianças até dois anos de idade, hospitalizadas por desnutrição aguda grave verificaram sua associação com violência severa entre os cônjuges.
Em outro estudo foi utilizada uma amostra de 23 689 crianças com menos de quatro anos de idade para avaliar a repercussão da violência doméstica (VD) contra a mulher no crescimento infantil. O estudo sugere que a VD tem efeitos diretos e indiretos sobre o estado alimentar da criança. Neste estudo, a associação entre VD e desnutrição infantil foi explicada utilizando um modelo baseado na teoria do "poder de barganha". Por esta teoria, nas famílias onde a violência contra a mulher está presente, a mãe é menos influente na família. Como conseqüência, a mulher tem menos poder nas decisões familiares. Partindo do pressuposto de que a provisão de melhor educação e cuidados de saúde para a criança depende da mãe, haveria um caminho VD – NÃO FORNECIMENTO DE INSUMOS PARA A EDUCAÇÃO E A SAÚDE DA CRIANÇA – DESNUTRIÇÃO CRÔNICA.
Outra perspectiva para a relação entre violência e desnutrição é o fato de que quando as mulheres sofrem discriminação e violência, seu acesso à educação e ao emprego é prejudicado comprometendo a sua capacidade de prover adequadamente alimentação e cuidados gerais para a criança.
Portanto, esta pesquisa objetivou verificar se existe associação entre violência intra-familiar e a desnutrição crônica moderada ou grave em crianças.
Metodologia
Estudo caso-controle no qual casos foram 67 duplas mãe - criança na faixa etária entre seis meses e cinco anos de idade, com desnutrição moderada ou grave recrutados no Centro de Recuperação Nutricional (CREN) e localizado em bairro de baixa renda da cidade de Maceió, Alagoas, Brasil. Controles foram 67 duplas mãe - criança eutrófica (sem irmãos desnutridos) provenientes de uma escola municipal vizinha ao CREN.
A violência psicológica e física contra a criança e violência física contra a mulher foi avaliada pela versão brasileira do Questionário WorldSAFE (World Studies of Abuse in the Family Environment). A saúde mental materna foi avaliada através da versão brasileira do Self Reporting Questionnaire (SRQ-20), utilizando o ponto de corte 7/8 para identificação de casos prováveis.
Quanto às variáveis sócio-demográficas, para identificar a classe econômica das famílias foi utilizado um questionário elaborado especialmente para este estudo.
Utilizou-se, para avaliar o estado nutricional, o critério altura para idade (A/I) (2 DP abaixo do normal para idade) sendo o padrão de referência proposto pelo National Center for Health Statistics (NCHS).
Para análise dos dados foi efetuada uma comparação dos vários tipos de violência contra mulher e contra criança entre casos e controles através do cálculo da razão de chances e do qui quadrado.
Resultados
Participaram 65 casos (duplas mãe-criança desnutrida) e 64 controles (duplas mãe-criança eutrófica).
Oitenta por cento das mães do grupo dos casos e 82,9% das mães do grupo dos controles tinham marido ou companheiro morando no domicílio nos últimos 12 meses. A distribuição das variáveis sócio-demográficas selecionadas mostrou diferenças estatisticamente significativas entre casos e controles sendo que os casos apresentaram menor escolaridade materna (odds ratio [OR]: 2.1; intervalo de confiança de 95% [IC95%]: 1.0– 4.2), menor escolaridade do pai ou companheiro atual da mãe (OR: 4.2; IC95%: 1.8–9.8), maior número de filhos (OR: 4.3; IC95%: 1.9–10), maior número de residentes no domicílio (OR: 2.8; IC95%: 1.3– 5.9) e classe econômica mais baixa (OR: 3.4; IC95%: 1.1– 9.9).
O transtorno mental comum (TMC) materno não apresentou diferença estatisticamente significativa entre casos e controles (OR: 0.9; IC95%: 0.4-1.8).
A tabela mostra um resumo da freqüência da violência contra a criança e contra a mulher em casos e controles. Dentre os tipos de violência psicológica praticados pelos pais contra a criança, o mais freqüente em ambos os grupos, foi ameaçar ir embora ou abandonar a criança, tipo este que apresentou um percentual maior entre os casos (37,5%) do que nos controles (26,6%) (p= 0,18).
A violência física severa contra a criança apresentou freqüências altas em ambos os grupos. Bater em outra parte do corpo que não fosse às nádegas com algum objeto foi o tipo mais freqüente nos dois grupos (29,2% entre casos e 28,1% entre controles) (p= 0,89) seguido de bater nas nádegas com algum objeto (10,9% entre casos e 14,1% entre controles) (p=0,59).
O tipo de violência física não grave contra a criança mais encontrado em ambos os grupos foi dar palmada nas nádegas (52,3% entre casos e 60,9% entre controles) (p= 0,32), seguido de beliscar a criança (24,6% entre casos e 29.7% entre controles) (p=0,52).
Para o cálculo da violência física severa contra a mulher foram excluídas as mães que não tiveram marido ou companheiro nos últimos doze meses. Usar ou ameaçar usar arma de fogo foi o tipo de violência mais freqüentemente cometido contra as mães de crianças desnutridas (13,8%) em relação às mães de crianças eutróficas (6,3%) (p= 0,15). Os episódios de socar também foram mais freqüentes entre as mães de desnutridos (9,2%) quando comparados aos grupos de eutróficos (7,8%) (p= 0,77).
A violência psicológica contra a criança mais freqüente e com maior diferença entre os dois grupos foi ameaçar abandono (37,5% em famílias de desnutridos e 26,5% em famílias de eutróficos) (p = 0,18).