SINERGIAS TERAPÊUTICAS
Marta Alexandra Fernandes Rodrigues
PsicólogoDoutoranda, Psicologia, Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal
Porto, Portugal (SIIC)
O envolvimento sério dos sujeitos no processo de tratamento é influenciado pelo reconhecimento genuíno da parte do técnico em relação às suas capacidades de mudança, perante este princípio basilar, o empowerment surge como condição sine qua non para um funcionamento em sinergia que conduzirá a um objectivo final comum.
A Europa possui a maior percentagem de consumidores de bebidas alcoólicas do mundo, os níveis mais elevados de consumo de bebidas alcoólicas per capita e um nível elevado de danos relacionados com o consumo de álcool. Estes dados do Portal de Saúde Pública da União Europeia (2009), traduzem a dependência e os problemas ligados ao álcool como um fenómeno longitudinal, transcultural e transgeracional.
A anterior tendência para a homogeneização de directrizes terapêuticas globais deve ser dissolvida no sentido do seu desaparecimento, para a potencialização da eficácia dos tratamentos, consequência da heterogeneidade social, cultural, entre géneros e noutros domínios, que constitui a realidade dos consumidores e dependentes de substâncias.
A problemática do álcool, é indubitavelmente bem explicada por Benjamin Rush, ao mencionar que “Beber inicia um acto de liberdade, caminha para o hábito e, finalmente, afunda na necessidade”. Sendo estritamente necessário enquadrar esta afirmação num discurso de cariz não fatalista, mas antes como uma hipótese perfeitamente válida de compreensão desta temática.
Hoje, olhamos para a dependência de álcool não numa perspectiva de cronicidade e de doença, na qual a remissão dos sintomas é possível mas a cura é algo inatingível mas, percebemo-la através duma óptica que posiciona o utente como agente activo de mudança e não apenas como objecto de mudanças. Assim, o consumo nocivo ou a dependência são percebidos como um problema, cuja responsabilidade de resolução é do utente em sinergia com o terapeuta.
Mais importante do que distribuir culpas em relação à origem e desenvolvimento da relação patogénica com o álcool, é necessário responsabilizar o utente pela alteração do seu consumo de bebidas alcoólicas e pela mudança de estilo de vida, o que pressupõe que este assuma um papel activo no processo de tratamento, sendo o sujeito a matéria -prima para o desenvolvimento de estratégicas eficazes para lidar com o problema.
O terapeuta percebe o utente, como possuindo o papel de maior especialista em si próprio, deste modo tenta eleger estratégias, comportamentos e soluções que façam mais sentido para o sujeito e que vão de acordo com as suas expectativas. O envolvimento e comprometimento sério dos sujeitos no processo de mudança é influenciado pelo reconhecimento genuíno da parte do técnico em relação às suas capacidades de mudança, atitude que vai potenciar relações cooperantes em que a confiança recíproca está como pilar de sustentação.
O empowerment é condição sine qua non para um funcionamento em sinergia, na medida em que relacionamentos sinérgicos entre técnicos e utentes, são aqueles que visam potenciar os recursos e os resultados através da contribuição de ambas as partes, formando uma parceria para um fim que é comum. Através da promoção da auto-eficácia, da validação das competências dos sujeitos e da expressão das suas necessidades e interesses vai-se construindo um espaço para o desenvolvimento conjunto do processo de mudança.
Ao tratar um indivíduo como ele é, a tendência será para ele permanecer igual a si mesmo, mas ao tratá-lo como se ele fosse o que deveria e poderia ser, o sujeito terá mais probabilidade de se tornar naquilo que deveria e poderia ser, as palavras de Johann Wolfgang Von Goethe traduzem o quão relevante é a capacidade genuína do terapeuta de acreditar na capacidade de mudança dos utentes (Leake & King, 1977).
No tratamento da dependência do álcool, a motivação possui um papel de destaque através da sua influência na procura, no compromisso e na manutenção do tratamento, interferindo de forma significativa na concretização de mudanças a longo prazo. A motivação é a chave para a mudança, é aquilo que é susceptível de mover o indivíduo para um comportamento orientado, é dinâmica, sujeita flutuações, passível de ser modificada e influenciada pelas relações interpessoais, bem como pelo estilo do técnico motivacional.
A abordagem motivacional reflecte assim, a dinâmica funcional entre terapeuta e utente, ao possuir como princípios gerais: expressar empatia, desenvolver discrepância, acompanhar a resistência, evitar a argumentação e promover auto-eficácia (Miller e Rollnick, 2001). No que respeita exclusivamente à resistência, o papel do terapeuta motivacional é não confrontativo, isto porque a resistência do paciente é responsabilidade do terapeuta. Assim, compete-lhe alterar a estratégia em curso, pois a sua manutenção conduziria a que o sujeito se afastasse progressivamente do tipo de relação pretendida, que se constitui num meio viável para o desenvolvimento de um clima de aceitação e genuidade que potencia a eficácia das intervenções.
O momento do pedido de ajuda não deve ser desvinculado do background dos utentes. Reconhecendo que o contacto inicial com uma instituição de saúde pode ser um momento algo ansiogénico devido aos significados subjectivos variados que lhe são inerentes, a identificação prévia das principais preocupações e necessidades dos utentes nesta fase, permiti direccionar a intervenção para aquela que é a realidade dos sujeitos e para os conteúdos que percebem como sendo mais importantes. Este processo vai aumentar a probabilidade dos utentes se mostrarem mais receptivos às abordagens dos técnicos, potenciando assim a eficácia da intervenção e muitas das vezes assegurando um segundo contacto que numa fase inicial deve ser um dos objectivos primordiais.
Sendo o uso de substâncias um problema complexo que deve ser visto num continuum, torna-se importante que um sistema prestador de cuidados de saúde a este nível seja integrador e holístico, de forma a maximizar a efectividade global da resposta. Neste sentido, espera-se que a entrada para o tratamento seja a última etapa do continuum de consumo e simultaneamente a primeira etapa do processo de tratamento e como tal, é tão válida como qualquer outra fase de intervenção.
Para que se obtenha sucesso na promoção da mudança de comportamento é necessário que no contacto com os diversos níveis de cuidados do sistema de saúde, haja aplicação de técnicas, habilidades e instrumentos que promovam a receptividade e o envolvimento dos utentes no tratamento. É crucial avaliar as necessidades de mudança e a motivação para a mesma, com o intuito de adequar a intervenção à superação de barreiras e ao ambiente em causa, potenciando sempre a eficácia da intervenção (Filho, 2005).