siiclogo2c.gif (4671 bytes)
A AUSÊNCIA DO ÚTERO ASSOCIADA AO CONCEITO DE FEMINILIDADE
(especial para SIIC © Derechos reservados)
bbbb
cccc

sbroggio9.jpg Autor:
Adriana Magrin Rivera Sbroggio
Columnista Experto de SIIC



Artículos publicados por Adriana Magrin Rivera Sbroggio 
Coautores
Paulo César Giraldo* Ana Katherine da Silveira Gonçalves** 
Professor Livre-Docente, Faculdade de Ciências Médicas de Campinas - Unicamp, Campinas, Brasil*
Professor Livre-Docente, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, Brasil**

Recepción del artículo: 14 de octubre, 2006

Aprobación: 6 de diciembre, 2006

Primera edición: 7 de junio, 2021

Segunda edición, ampliada y corregida 7 de junio, 2021

Conclusión breve
Acreditamos que orientações pré e pós-cirúrgicas, a respeito da ausência do útero associada à feminilidade possa evitar possíveis conflitos pessoais e conjugais ocasionados pela falta de informação.

Resumen

As intervenções cirúrgicas de histerectomia vêm aumentando no Brasil, onde se estima que aproximadamente 300 000 mulheres por ano são submetidas à extirpação do útero. O estudo discute a necessidade de atendimentos psicológicos antes e depois destes procedimentos, com o intuito de identificar possíveis transtornos ocasionados pela retirada do útero, considerando que este historicamente sempre esteve intimamente ligado ao conceito de feminilidade. Por outro lado, os benefícios deste procedimento podem está diretamente relacionados com o alívio dos sintomas da doença. Existe a necessidade de analisar os conceitos aprendidos pelas mulheres a respeito da sua própria feminilidade e o quanto à remoção do útero pode contribuir para o bem-estar da paciente. Acreditamos que orientações pré e pós-cirúrgicas, a respeito da ausência do útero associada à feminilidade possa evitar possíveis conflitos pessoais e conjugais ocasionados pela falta de informação.

Palabras clave
histerectomia, feminilidade, útero

Clasificación en siicsalud
Artículos originales> Expertos del Mundo>
página www.siicsalud.com/des/expertos.php/86408

Especialidades
Principal: Obstetricia y Ginecología
Relacionadas: Medicina FamiliarMedicina InternaSalud Mental

Enviar correspondencia a:
Adriana Magrin Rivera Sbroggio, Faculdade de Ciências Médicas de Campinas - Unicamp, 13043-810, Campinas, Brasil

The Absence of the Uterus Associated with the Femininity Concept

Abstract
The number of hysterectomies is increasing in Brazil, where it is estimated that approximately 300 000 women a year are submitted to removal of their uterus. This study discusses the need for psychological assistance before and after these procedures, so as to identify possible upheavals caused by the removal of the uterus, taking into account that this organ is closely related to the concept of femininity. On the other hand, the benefits of this procedure can be directly related to the relief from the symptoms of the disease. There is the need to analyze concepts held by women in terms of their own femininity and to show these same women that the removal of the uterus can contribute to their well-being. We believe that pre and post surgery counseling, regarding the absence of the uterus and its association to femininity can help to avoid possible personal and matrimonial conflicts caused by lack of information.


Key words
hysterctomy, femininity, uterus

A AUSÊNCIA DO ÚTERO ASSOCIADA AO CONCEITO DE FEMINILIDADE

(especial para SIIC © Derechos reservados)

Artículo completo
Introdução

Estudos recentes1 visualizam a importância que o útero tem para as mulheres além de suas funções biológicas, que é o valor simbólico de feminilidade, por relacionar-se ao papel de reprodutor da mulher e à sua sexualidade. Esta percepção pode ser despertada em mulheres quando recebem a notícia da retirada do útero através de cirurgia.

A remoção do útero em cirurgias ginecológicas recebeu o nome de histerectomia. Palavra grega em que hyster significa útero e ectomia remoção. É indicada quando sintomas ocasionados por patologias uterinas, como sangramentos excessivos ou dor, não são solucionados através de tratamentos medicamentosos. Esta cirurgia teve início na Alemanha por Conrad Langenbeckem, em 1813.2

Tais desconfortos são causados geralmente por mioma uterino, o tumor mais comum; prolapso uterino; o sarcoma do útero, mais raro,3 endometriose,4 entre outros. A intervenção cirúrgica é realizada de três formas: 1) total, quando todo o útero com seu corpo e colo são removidos; 2) subtotal, quando apenas o corpo do útero é removido; 3) total com anexectomia bilateral, quando todo o útero é extirpado, em conjunto com os dois ovários e as trompas.3

A realização de cirurgias de histerectomia vem aumentando no Brasil. Estima-se que aproximadamente 300 000 mulheres por ano são submetidas à extirpação do útero.5 No ano de 1999 foram realizadas 93 597 histerectomias em unidades hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), a maioria indicada pela existência de doenças benignas. Apenas 5.1% foram decorrências de neoplasias malignas.6 Este procedimento é o segundo mais indicado por ano em mulheres no período reprodutor. Países como Austrália e Itália também têm índice elevado de indicações cirúrgicas de histerectomia.7

Considerando a alta freqüência deste procedimento, não poderiam faltar artigos e estudos a respeito da histerectomia. De modo geral, os artigos dão relevância aos métodos adotados ao procedimento e seus avanços. Gradativamente, outros profissionais da área da saúde vêm discutindo e estudando os possíveis transtornos emocionais acerca da retirada do útero e/ou o bem-estar ocasionado pela cirurgia,1 onde não poderíamos deixar de associá-lo ao conceito de feminilidade.


Atualização

O conceito de feminilidade associado ao útero parte de um ponto histórico, onde há muitos séculos tem sido construído, dando relevância ao papel da mulher como reprodutora, praticamente resumindo a razão da sua existência na maternidade.8 O pecado e a sedução eram transmitidos pelas mulheres enquanto o homem é que proporcionava alma, vida e movimento à matéria inerte produzida no útero pela mulher. Dessa maneira, pensava-se que a mulher não passava de um instrumento criado por Deus somente para servir à reprodução. Essa perspectiva embasava a idéia de que o útero era apenas um órgão reprodutor e que a sexualidade feminina deveria estar submetida apenas à missão da maternidade.8,9

Nessa perspectiva, no Brasil colônia era comum pensar-se que as mulheres ficavam doentes porque não cumpriam a sua função redentora, de mães, e por isso eram punidas. O que derivava da idéia de que as doenças, de modo geral, eram punições divinas.9

Dentro de uma perspectiva de gênero, ao se olhar historicamente a maneira como o corpo das mulheres era percebido e classificado, observa-se que o referencial era o corpo do homem, e o da mulher- comparativamente - era inferior e mais frágil.10

Ao longo da história, a socialização das mulheres foi se fazendo nesse contexto, transmitindo-se, de gerações para gerações, os conceitos sobre o que é ser mulher e quais os elementos que compõem essa definição. Desta forma, as idéias aprendidas pelas mulheres quanto a seu corpo e aos órgãos sexuais externos e internos acabavam intimamente atreladas ao propósito social de exercer controle sobre a sexualidade delas, utilizando como justificativa a necessidade de preservá-las para a maternidade, vista como a única área em que as mulheres tinham uma missão social – a de preservar a espécie, produzindo filhos sadios.11,12 Esse enfoque pode ser observado no Brasil com bastante força ao final do século XIX e até a metade do século XX, quando começaram a ganhar evidência os movimentos de mulheres, inspirados nas lutas feministas internacionais. A partir de então, passam a serem questionados esses conceitos historicamente construídos, na tentativa de desmontá-los e assegurar às mulheres o direito de decidirem acerca de seu papel reprodutivo e da sexualidade. Apesar disso, porém, não se pode desprezar a força dos conceitos historicamente aprendidos na educação e formação das mulheres, que certamente se refletem em suas perspectivas acerca do útero e de suas funções, vinculando-o à concepção de feminilidade.13,14

Em resposta a este achado, entende-se a elaboração e o desencadeamento de mitos acerca do útero no momento de sua remoção. Vemos que desde muito tempo o assunto a respeito ao grau de satisfação das mulheres histerectomizadas, seus mitos e a sensação de alívio são muito discutidos, porém não conclusivos.

Através de atendimentos psicológicos em mulheres histerectomizadas foi observado que elas só dão importância ao útero frente à necessidade de uma histerectomia. Sendo assim, diante da percepção de uma mutilação castradora, elas sofreram abalo em sua identidade feminina, porque para elas o útero simbolizava a sua capacidade sexual, associando à mudança sobre o desejo sexual e a libido, estando incapacitadas sexualmente para sentir prazer.15 Para elas a histerectomia significava mais do que a parada da menstruação, significava uma etapa de perdas.

Desde muito tempo é que as seqüelas psicológicas advindas da histerectomia vêm sendo discutidas. Muitos autores1,15-18 já mencionam em seus artigos a associação da retirada do útero com os transtornos psicológicos acerca da feminilidade. Estes transtornos são acentuados em mulheres que não têm filhos, pois para elas a retirada do útero poderia desencadear sentimentos de perda, de inutilidade e destituição da condição feminina, porque para muitas mulheres a feminilidade está intimamente associada à capacidade de conceber.19

Mulheres frente à notícia da remoção do útero se deparam com medos quanto à sexualidade, frigidez, perda do parceiro e até de morte. Historicamente, tais medos são desencadeados pelo conceito de feminilidade associado ao útero construído durante séculos, dando relevância ao papel da mulher como reprodutora e praticamente resumindo a razão da sua existência à maternidade.8,20 Considerando este pressuposto, a mutilação do útero estaria associada a perda do seu valor simbólico e real.21

Observa-se que mulheres histerectomizadas preocupam-se com supostas infidelidade e desinteresse dos seus companheiros por conta do preconceito da mulher sem útero.22 Deste modo, a remoção do útero pode desencadear em mulheres sentimentos de luto, tristeza, perda e depressão.15 Estes sentimentos são desencadeados pelo fato de acreditarem que a sexualidade é um dos pilares para a qualidade de vida e conjugal e a possibilidade de uma disfunção sexual é atemorizante para sua auto-estima. Estudo mostra uma prevalência de 25% a 33% das disfunções sexuais entre mulheres na faixa etária de 35 a 59 anos e de 51% a 75% entre as de 60 a 65 anos de idade.23

Acredita-se que mulheres consideradas ainda em período reprodutor ao se depararem com a antecipação da menopausa, causada pela histerectomia, sofrem abalo em seu autoconceito e sua imagem corporal, por relacionarem a menopausa a um período de crise e perdas. A menopausa, para a sociedade ocidental, pode significar a perda da beleza física, da juventude e maternidade, aspectos fundamentais para a valorização da feminilidade. Para tanto, a ausência do útero pode despertar sentimentos de desvalia, tristeza e depressão.23

Por outro lado, existem autores que afirmam que, apesar de algumas pacientes apresentarem depressão pós-histerectomia, essa condição não está diretamente associada à histerectomia e sim a fatores do tipo idade, baixo nível cultural, conflitos com relação à maternidade ou auto-imagem, sendo a cirurgia apenas um “veículo” ou catalisador para tal condição. Sendo assim, não acreditam que os sintomas somáticos e depressivos inerentes às mulheres histerectomizadas devam-se exclusivamente à falta de hormônio decorrente da ooforectomia realizada algumas vezes concomitantemente.25

Artigos recentes mencionam que o risco de morbidade psicológica em mulheres histerectomizadas está inteiramente associado aos aspectos sociais. A qualidade do vínculo conjugal também é um ponto extremamente importante ao bem-estar psíquico e sexual destas mulheres.21

Acreditando que a qualidade de vida da mulher histerectomizada pode estar relacionada à ausência das dores e hemorragias, possibilitando-lhe a inserção na sociedade, podendo sofrer influência dependendo do grau de conhecimento e cultura que seu parceiro tem sobre a retirada do útero, o autor26 enfatiza a importância de esclarecimentos antes e depois da cirurgia de histerectomia para o casal.

Observou-se que os fatores cultural e social são grandes aliados quanto às percepções das mulheres acerca das possíveis mudanças corporais, sexuais e conjugais após a histerectomia.1,17,18 Corroborando com esta idéia, os autores23 acreditam que a saúde está ligada a uma realidade social específica, sendo influenciada por vários fatores como os de ordem política, comportamental e ambiental, cultural, econômicas e biológicos.

Diante do pensamento fisiológico não poderíamos deixar de citar a qualidade de vida que a histerectomia pode dar à mulher. Este pensamento é que em um estudo prospectivo de 3 anos com 314 mulheres, sendo 257 histerectomizadas (classificado como grupo 1) e 57 ooferectomizadas (classificado como grupo 2) para identificação do índice de depressão nos dois grupos, a autora27 verificou que no grupo 1 quase 50% delas apresentaram índice de depressão antes da cirurgia e no grupo 2, 60%. Também observou que em mulheres com história de hemorragias o índice de depressão é maior. O grupo 2 apresentou índice de depressão maior do que o grupo 1 pelos 3 anos, acreditando ser pela perda da fertilidade e feminilidade. Porém, este estudo pôde concluir que depois de um longo período de histerectomia o número de casos de mulheres com depressão era menor. Portanto, o índice de depressão está mais presente em mulheres no período pré-operatório da histerectomia do que após a retirada do útero.27

Uma revisão dos últimos 30 anos a respeito dos resultados psicológicos em relação à histerectomia observou que estudos apresentam resultados adversos após a histerectomia e concluem que o índice de depressão é maior em mulheres no período pré-operatório. Adverte que profissionais devem se precaver do diagnóstico de depressão para não confundir mágoa e tristeza pela perda do útero com depressão.26

Uma vez observado que os índices satisfatórios foram identificados em um estudo com 185 mulheres onde foi observado que 45.0% informaram que sua auto-imagem corporal após a histerectomia mudou para melhor, enquanto que 25.4% sentiram a mudança para pior. Apenas 10.3% sentiram-se menos feminina, para quase 70% que relataram não observar qualquer mudança da feminilidade. Com relação à libido e atividades sexuais não houve respostas significativas neste estudo. No entanto, apenas 7.1% das mulheres responderam negativamente quanto à satisfação ao procedimento de histerectomia. Portanto, no estudo a autora concluiu que a auto-imagem corporal e as necessidades sexuais não sofrem abalos após a histerectomia.28

Estudos apresentam que a qualidade de vida em mulheres histerectomizada é melhor identificada após períodos mais longos da cirurgia. Isto pôde ser mostrado em um estudo com 111 mulheres histerectomizadas, concluindo que em mulheres entrevistadas após 6 e 12 meses da cirurgia o índice de satisfação foi maior após 12 meses da cirurgia.29,30

Portanto, a cirurgia pode beneficiar as mulheres desde que orientadas devidamente.


Discussão

A base psicossocial do ser humano é sua cultura ambiental; portanto não podemos deixar de relevar o conceito de feminilidade que cada mulher tem de si diante da retirada do útero. Pensando nisto é que acreditamos que o primeiro aspecto a ser considerado é a procedência dos valores (mitos) como parte de um processo psíquico do ser humano. Os mitos, as lendas, são assimilados de acordo com as necessidades instintivas e os valores básicos dos seres humanos, sendo despertados por motivos específicos, e, segundo a criatividade de cada indivíduo, são re-elaborados dentro do contexto que está sendo vivenciado. Esses mitos se caracterizam como formas que organizam e ordenam os elementos psíquicos, todos atrelados a sentimentos, imagens e idéias.31 Tanto os mitos como os sonhos partem de tomadas de consciência da necessidade de encontrar expressão numa forma simbólica.32

Com a falta de orientação a respeito das possíveis mudanças sem o útero, pode resultar em reações de surpresa e choque nas mulheres no momento da hospitalização, desencadeando reações emocionais tais como a negação, onde a pessoa pode ignorar o assunto ou a doença como se tudo estivesse bem; a resistência, que provoca descrédito e desconfiança frente à indicação cirúrgica, motivando a busca de outras opiniões que se coadunam com seu desejo; a busca de motivos que justifiquem o adiamento da cirurgia, o que prejudicaria o processo de comunicação entre as mulheres e os profissionais da saúde.33 Sendo justificadas então, tais observações vêm de encontro com os estudos dos autores26,27,29,30 que relatam que mulheres apresentam maiores índices depressivos no período pré-operatório da histerectomia do que no pré-operatório.

É sabido que a mulher, frente à possibilidade da perda da fertilidade, pode simbolizar este fato a outras perdas mal elaboradas em toda a sua vida e regredir a fases em sua vida como a juventude, filhos pequenos, companheiro, a pais e amigos e tudo aquilo que deixou de fazer.34 No momento da notícia da necessidade da realização da cirurgia de histerectomia o que prevalece é o intenso medo de morrer, o que compromete, inclusive, a possibilidade das mulheres se expressarem de forma completa quanto aos seus sentimentos. Nesse contexto, a perda do útero aparece como mais um fantasma, por assim dizer, com o qual as mulheres deixam para se defrontar depois de vencida a batalha pela vida.

O sentimento de alívio após a realização de uma cirurgia está relacionado à sensação de perdas e ganhos. No caso da histerectomia, que é uma cirurgia mutiladora, no período pós-operatório a esperança de ter obtido ganhos parece mais forte do que a possibilidade de perdas. Prevalecem as expectativas de sobrevida e de que a doença tenha sido erradicada, em detrimento do sentimento de mutilação de uma parte do corpo.33 Interessante observar que muitos autores15,17,22,25,35,36 mencionam o fato de as mulheres sentirem-se aliviadas com a possibilidade da retirada do útero, com base nessa questão da sobrevivência e da superação do incômodo causado pelos sintomas de sua doença. Entretanto, não se pode deixar de considerar que tal alívio está associado ao desaparecimento das dores, sangramentos e incômodos, mas não aos sentimentos das mulheres quanto ao significado da perda do útero.

Outro aspecto a ser considerado é a relevância dos mitos relacionados à sexualidade: perda da condição de ser mulher, de sua feminilidade, frigidez, mudanças na vida sexual, embora haja autor37 que afirme que o desejo de uma mulher prossegue inalterado até por volta de seus 60 anos de idade ou mais; razão pela qual não haveria motivo de ela encerrar suas atividades sexuais em conseqüência da histerectomia, Pensando um pouco sobre a capacidade do indivíduo com relação à sexualidade é que enfatizo que todo ser humano é capaz de responder a estímulos eróticos, sendo o impulso sexual um fator inato e respondemos a estes estímulos de diferentes formas por moldarem seus desejo de forma adaptativa, enquanto que a excitação e o orgasmo são manifestos.38

Para compreender melhor esse achado, é preciso considerar que os mitos associam-se ao entendimento de que a histerectomia, de fato, encerraria o período reprodutivo de sua vida, comprometendo sua sexualidade e implicando a perda da sua capacidade reprodutiva. Além disso, essa perda significa sua desqualificação como seres sociais, uma vez que não mais poderiam cumprir o papel social que, tradicionalmente, lhes é atribuído como fundamental: reprodutoras da espécie.

Essa associação entre reprodução e sexualidade tem sido abordada na literatura em várias áreas do conhecimento, apontando-se a sua relevância para compreender como as mulheres vivenciam as mudanças em sua condição reprodutiva.39

Tradicionalmente, o corpo da mulher tem sido visto como tendo, primariamente, uma função social - a reprodução. A sua “utilidade” está dada por seu papel reprodutivo. Logo, a sexualidade desse corpo também deveria estar a serviço de seu papel social. As mulheres tendem a vivenciar a experiência de estarem presas ao seu corpo-para-outros, quer do ponto de vista procriativo quer como elemento erótico, o que determina que elas acabem estabelecendo relações de dependência vital e submissão.40,41 Portanto, não é estranho que as mulheres associem a retirada do útero com possíveis problemas sexuais, bem como se sintam sob o risco de serem desvalorizadas como mulheres por causa dessa perda. Contudo, acredita-se que na sociedade contemporânea o papel da mulher não é somente o da maternidade, sendo mostrado em estudos que poucas mulheres consideram o útero essencial a seu sentido de feminilidade e sexualidade, apesar de enfatizar que este achado não pode ser generalizado, pois um fator determinante para esta conduta é a importância que o companheiro tem sobre a mulher.26

Esta discussão leva a perceber a necessidade de abordar a retirada do útero a partir de uma perspectiva de atenção integral à saúde das mulheres e no contexto de humanização do atendimento. O atendimento a essas mulheres não pode ignorar o impacto que sofrerão com a notícia de que será preciso retirar o útero. É preciso que a rotina hospitalar (consulta e internação) se constitua em um meio favorável para as mulheres vivenciarem a histerectomia de maneira o menos prejudicial possível. Isto inclui a necessidade de prover condições de atendimento em que os profissionais tenham capacitação e condições de trabalho para permitir às mulheres a assimilação das informações que irão receber, e a reflexão sobre o impacto em sua vida do diagnóstico e da conduta proposta. Isto requer tempo para que elas possam fazer planos frente a suas emoções.33 Nesse processo deve haver espaço para emergirem os mitos que as mulheres trazem consigo, a fim de confrontá-los com a melhor informação científica disponível.

A favor de grupos de orientações para mulheres com indicação cirúrgica de histerectomia, concordamos com o autor44 na necessidade de atendimentos psicológicos para tal indicação, para que não haja interferências na visão de fêmea para as mulheres.



Bibliografía del artículo
1. Sbroggio AMR, Osis MJMD, Bedone AJ. O significado do útero para as mulheres: um estudo qualitativo. Rev Assoc Méd Bras 2005; 51(5):270-4.
2. Fettback LS, Fagundes D, Nery JC, Cardoso JT, Fettback PBT. Avaliação de 275 pacientes submetidas a histerectomia vaginal . Morbidades trans e pós operatório. Femina 2005; 33:905-909.
3. Novak ER, Jones GS, Jones HW. Novak. Tratado de ginecologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan; 1977.
4. Bastos AC. Noções de ginecologia-levanta actínia. 2ª ed., São Paulo: Ed. São Paulo. 1967.
5. Caliri MHL, Cunha AMP. A experiência da mulher ao enfrentar a histerectomia. Femina 1998; 26:749-52.
6. Araújo TVB, Aquino EM. Fatores de risco para histerectomia em mulheres brasileiras. Cad Saúde Pública 2003; 19(Sup. 2):407-17.
7. Vomvolaki E, Kalmantis K, Kioses E, Antsaklis A. The effect of hysterectomy on sexuality and psychological changes. Eur J Contracept Reprod Health Care 2006; 11(1):23-7.
8. Mead M. Macho e fêmea: um estudo dos sexos num mundo em transformação. Rio de Janeiro: Ed. Vozes; 1971.
9. Priore MD. Histórias das mulheres no Brasil. Bassanezi C. (coord. textos). São Paulo: Ed. Contexto; 1997. 678 p.
10. Beauvoir S. The second sex. New York: Vintage Books; 1974, 500 p.
11. Costa JF. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal; 1979, p. 282.
12. Rago M. Do cabaré ao lar. A utopia da cidade disciplinar. Brasil 1890-1930.
Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1985, p. 209.
13. Parker R. Corpos, prazeres e paixões: a cultura sexual no Brasil contemporâneo. 2a ed. Trad. de MTM Andrade. São Paulo: Best Seller; 1991, p. 295.
14. Heilborn ML. Gênero: uma breve introdução. In: Ribeiro NMGR, Costa DM (org). Gênero e desenvolvimento institucional em ONGs. Rio de Janeiro: IBAM/ENSUR/NEMPP; 1995. p.9-14
15. Novoa AM. Histerectomia: efeitos emocionais na identidade feminina Opinião 1991; 6:193-5.
16. Anker LW. Vivências psicológicas associados à histerectomia: um enfoque psicanalítico. Rev Psicol Hosp 1993; 5:20-3.
17. Cosmo M, Carvalho JWA. Pensando sobre o período pré-operatório na histerectomia. Rev Socied Bras Psicol Hosp 2000; 3:27-32
18. Loureiro MC. Histerectomia possíveis alterações e influência do nível sócio econômico. Psicol Ciên Prof 1997; 17:12-9.
19. Angerami VA. Urgências psicológicas no hospital. As cirurgias ginecológicas: uma questão para a psicologia. São Paulo: Ed. Pioneira; 1998, 211 p.
20. Abreu MAL. Aspectos emocionais de pré e pós-operatório na histerectomia. Femina 1995; 23:260-4.
21. Faisal Cury A, Cury L. Morbidade psicológica após histerectomia e mastectomia. Femina 2005; 33:665-68.
22. Penteado SRL, Fonseca AM, Bagnolo VR, Abdo CHN. Sexualidade no climatério e na senilidade. Rev Ginecol Obstet 2000; 11:188-92.
23. Lorenzi DRS, Baracat EC. Climatério e qualidade de vida. Femina 2005; 33:899-903.
24. Pinto AC, Baracat F, Macéa JR. Aspectos anatômicos da sexualidade feminina. Femina 2005; 33:9-12.
25. Naughton MJ, Mcbee WL. Qualidade de vida relacionado à saúde pós-histerectomia. Grupo Editorial Moreira JR 1997; 40:947-57.
26. Rannested T. Hysterectomy: effects on quality of life and psychological aspects. Best Pract Res Clin Obstet Gynecol 2005; 19(3):419-430.
27. Farquhar CM, Harvey SA, Yu Y, Sadler L, Stewart AW. A prospective study of 3 years of outcomes after hysterectomy with and without oophorectomy. Am J Obstet Gynecol 2006; 194(3):711-7.
28. Roussis NP, WaltrousL, Kerr A, Robertazzi R, Cabbad MF. Sexual response in the patient after hysterectomy: total abdominal versus supracervical versus vaginal procedure. Am J Obstet Gynecol 2004; 190(5):1427-1428.
29. Rannestad T, Eikeland OJ, Helland H, Qvarnstrom U. The quality of life women suffering from gynecological disorders is improved by means of hysterectomy. Absolute and relative differences between pre-and postoperative measures. Acta Obstet Gynecol Scand 2001; 80(1):46-51.
30. Rannestad T, Eikeland OJ, Helland H, Qvarnstrom U. Are the physiologically and psychosocially based symptoms in women suffering from gynecological disorders alleviated by means of hysterectomy? J Womens Health Gend Based Med 2001; 10(6):579-587.
31. Giglio J. et al. Contos Maravilhosos: expressão do desenvolvimento humano. Gilio ZG (org.). Campinas: Unicamp, NEP 1991. (Zimmerman EB. Os contos de fada: expressão do desenvolvimento humano. In: Giglio JS (org). Contos Maravilhosos: expressão do desenvolvimento humano. Campinas: Ed. Unicamp;1991. p.1-11)
32. Campbell J. O poder do mito. São Paulo: Editora Palas Athena; 1990, 242 p.
33. Maldonado MT, Canella P. A relação médico-cliente em ginecologia e obstetrícia. 2a ed., São Paulo, Roca; 1988, 209 p.
34. Abreu MAL. Sexualidade na mulher climatérica. Femina 1998; 26:45-50.
35. Hufnagel V, Golant SK. No more hysterectomies. In: Hufnagel V, Golant SK. Why is the uterus important? New York, USA: A Plume Book; 1989. p.81-90.
36. Flory N, Bissonnette F, Binik YM. Psychosocial effects of hysterectomy: literature review. J Psychosom Res 2005; 59(3):117-129.
37. MCCary JL. Mitos e crendices sexuais. São Paulo: Ed. Manole; 1978. 216p.
38. Pereira, HGS, Canella PR. Avaliação da satisfação sexual e fertilidade em mulheres com endometriose. Femina 2006; 34(3):175-182.
39. Osis, MJMD. Laqueadura e representações acerca da sexualidade e do papel reprodutivo. Campinas, 2001. [Tese . Doutorado. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas].
40. Carson AC. Entrelaçando consensos: reflexões sobre a dimensão social da identidade de gênero da mulher. Cadernos Pagu 1995; 4:187-218.
41. Calderón VP. Yo (no) soy. Tú eres. Él es. La sexualidad de mujeres polisintomáticas de sectores empobrecidos desde la perspectiva de los servicios de atención primaria de salud. In: Gogna M (org.). Feminidades y masculinidades. Estudios sobre salud reproductiva y sexualidad en Argentina, Chile y Colombia. Cedes. Centro de Estudios de Estado y Sociedad: Buenos Aires; 2000. p.23-74.
42. Scheeffer R. Aconselhamento psicológico: teoria e prática. 7a ed. São Paulo: Atlas; 1993. 192 p.
43. Woodworth RS, Marques DG. Psicologia/atualidades pedagógicas: tradução de Lavinia Costa Raymonel. 67 São Paulo: Ed. Nacional; 1968. 715 p.
44. Angerami VA. A ética na saúde. São Paulo: Ed. Pioneira; 1997, p.113-140.

© Está  expresamente prohibida la redistribución y la redifusión de todo o parte de los  contenidos de la Sociedad Iberoamericana de Información Científica (SIIC) S.A. sin  previo y expreso consentimiento de SIIC

anterior.gif (1015 bytes)

 


Bienvenidos a siicsalud
Acerca de SIIC Estructura de SIIC


Sociedad Iberoamericana de Información Científica (SIIC)
Arias 2624, (C1429DXT), Buenos Aires, Argentina atencionallector@siicsalud.com;  Tel: +54 11 4702-1011 / 4702-3911 / 4702-3917
Casilla de Correo 2568, (C1000WAZ) Correo Central, Buenos Aires.
Copyright siicsalud© 1997-2024, Sociedad Iberoamericana de Información Científica(SIIC)