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MOTIVAÇÃO PARA A MUDANÇA DO COMPORTAMENTO DE BEBER NO TRATAMENTO DE DEPENDENTES DE ÁLCOOL
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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buzifiglie9.jpg Autor:
Neliana Buzi Figlie
Columnista Experto de SIIC



Artículos publicados por Neliana Buzi Figlie 
Coautores
John Dunn* Luis Cláudio Santoro Gomes** Janaina Turisco** Roberta Payá*** Ronaldo Laranjeira**** 
PhD, Royal Free and University College Medical School, Londres, Reino Unido*
Universidad Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil**
MsC, Universidad Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil***
PhD, Universidad Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil****

Recepción del artículo: 8 de octubre, 2006

Aprobación: 5 de diciembre, 2006

Primera edición: 7 de junio, 2021

Segunda edición, ampliada y corregida 7 de junio, 2021

Conclusión breve
O tratamento médico pode ser uma razão para a abstinência temporária do consumo de bebidas alcoólicas para os pacientes do ambulatório de gastroenterologia.

Resumen

Contexto: Para alguns pacientes que desenvolveram doenças físicas relacionadas ao consumo de álcool, a abstinência pode oferecer a melhor chance de sobrevivência. Objetivo: O objetivo deste estudo foi investigar a motivação para tratamento em dois grupos de dependentes de álcool: pacientes que procuraram tratamento no ambulatório de gastroenterologia e no ambulatório especializado de tratamento para alcoolismo. Tipo do estudo e local: Estudo de corte transversal em hospital-escola de serviço público federal. Métodos: Foram estudados 151 pacientes do ambulatório de gastroenterologia e 175 do ambulatório especializado no tratamento do alcoolismo. A entrevista foi conduzida nos ambulatórios na primeira consulta ao serviço e consistiu em uma seção com dados demográficos e escalas que avaliaram qualidade de vida, dependência de álcool, padrão de consumo alcoólico, motivação para tratamento e conseqüências decorrentes do ato de beber e dependência de nicotina. Resultados: Os resultados sugeriram que os pacientes do ambulatório de gastroenterologia eram menos dependentes do álcool, sofriam menos as conseqüências relacionadas ao consumo de bebidas alcoólicas e possuíam menos problemas mentais e emocionais quando comparados com os pacientes do ambulatório para tratamento do alcoolismo. Em relação aos estágios de mudança, os pacientes da gastroenterologia apresentaram maiores escores na pré-contemplação e os pacientes do ambulatório especializado apresentaram maiores escores em contemplação, ação e manutenção. Conclusão: O tratamento médico pode ser uma razão para a abstinência temporária do consumo de bebidas alcoólicas para os pacientes do ambulatório de gastroenterologia.

Palabras clave
alcoolismo, motivação, gastroenterologia, pacientes ambulatórias, determinação de necessidades de cuidados de saúde

Clasificación en siicsalud
Artículos originales> Expertos del Mundo>
página www.siicsalud.com/des/expertos.php/85944

Especialidades
Principal: Toxicología
Relacionadas: GastroenterologíaMedicina Interna

Enviar correspondencia a:
Neliana Buzi Figlie, Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal do São Paulo, 04038-000, São Paulo, Brasil

Patrocinio y reconocimiento
Agradecimentos: Equipe do Ambulatório de Gastroenterologia do Hospital São Paulo, Universidade Federal de São Paulo. Financiamento: FAPESP (Fundo de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) - n° 99/09601-8.

MOTIVAÇÃO PARA A MUDANÇA DO COMPORTAMENTO DE BEBER NO TRATAMENTO DE DEPENDENTES DE ÁLCOOL

Abstract
Context and objective: For some patients who have developed significant alcohol-related physical disease, total abstinence from alcohol may offer the best chance of survival. The aim of this study was to investigate motivation for treatment in two groups of alcohol users: outpatients from the gastroenterology clinic and outpatients from the specialized alcohol treatment service. Design and setting: Cross-sectional study, at a federally funded public teaching hospital. Methods: The sample studied was 151 outpatients from the gastroenterology clinic and 175 from the specialized alcohol treatment service. The interview was conducted in the outpatient clinics during the first appointment, and consisted of demographic questions and scales for measuring quality of life, alcohol dependence, pattern of alcohol, motivation for treatment and consequences of alcohol consumption and nicotine dependence. Results: The results suggested that outpatients from the gastroenterology clinic were less dependent on alcohol, had suffered fewer consequences from alcohol and had fewer emotional and mental health problems than did the outpatients from the alcohol treatment service. In relation to change stages, the gastroenterology outpatients presented high precontemplation scores at the beginning of treatment while outpatients of alcohol treatment service showed higher scores in contemplation, action and maintenance. Conclusion: The medical treatment may be a reason for the temporary alcohol abstinence behavior among the gastroenterology outpatients.


Key words
alcoholism, motivation, gastroenterology, outpatients, needs assessment

MOTIVAÇÃO PARA A MUDANÇA DO COMPORTAMENTO DE BEBER NO TRATAMENTO DE DEPENDENTES DE ÁLCOOL

(especial para SIIC © Derechos reservados)

Artículo completo
Introdução

Cerca de 80% das pessoas com problemas de álcool não procuram qualquer tipo de tratamento especializado ou grupos de auto-ajuda.1 No entanto, dependentes de álcool que não procuram tratamento incorrem em custos de cuidados médicos gerais que são pelo menos 100% mais altos quando comparados com não dependentes, e esta disparidade se dá a partir de 10 anos antes do ingresso no tratamento.2 A maioria dos usuários de álcool procura qualquer serviço médico geral durante esse período.1,3

O consumo de álcool tem considerável peso como causa de adoecimento e morte no mundo todo, com diversas conseqüências sociais negativas. Constitui-se como importante causa de morbidade e mortalidade para as nações mais pobres; como terceiro fator de risco para problemas de saúde na maioria das nações mais ricas; e, principalmente, relacionado ao adoecimento e morte na maioria dos países cujas economias se encontram em grau intermediário de desenvolvimento.4 O Brasil tem no consumo do álcool o responsável por mais de 10% de seus problemas totais de saúde, oriundo do tempo perdido em razão de doença ou mortalidade precoce.4

Um levantamento epidemiológico brasileiro realizado em 107 cidades constatou que 67.8% da população tinha consumido bebidas alcoólicas em algum momento de suas vidas, sendo que 11.2% apresentou dependência de álcool. Nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, estas porcentagens alcançaram 16%. Em todas as regiões havia mais usuários de álcool do sexo masculino, em uma proporção de três homens para uma mulher.5,6

Levantamento sobre padrão de consumo alcoólico em pacientes internados realizado no mesmo hospital em que o presente estudo foi desenvolvido com o AUDIT (The Alcohol Use Disorders Identification Test) que detecta uso nocivo ou dependência de álcool, constatou que 22% dos homens internados apresentou resultado positivo, com prevalência maior na enfermaria de gastroenterologia (27%). Da amostra total (n = 275), 29% apresentou história pregressa de consumo alcoólico superior ao atual, sendo que desse montante 52% eram AUDIT positivo.7

Para alguns pacientes que desenvolveram complicações físicas relacionadas ao consumo de álcool, a abstinência pode oferecer a melhor chance de sobrevivência.8 Entretanto se tais pacientes subestimam a severidade do alcoolismo ou não acreditam que o comportamento de beber pode exacerbar os problemas de saúde, muito provavelmente os mesmos não permanecerão abstinentes.

O objetivo principal deste estudo foi avaliar os pacientes tratados ambulatorialmente em dois tipos de serviço (ambulatório de gastroenterologia e ambulatório especializado no tratamento do alcoolismo) comparando o comportamento de beber, fumar, qualidade de vida, conseqüências de consumo de álcool e motivação para tratamento com vistas a discutir o tipo de intervenção apropriada para cada população em estudo.


Métodos

Trata-se de um estudo de corte transversal, realizado em dois ambulatórios de um hospital geral: ambulatório de gastroenterologia e ambulatório especializado no tratamento do alcoolismo. No estudo foi considerada a amostra de pacientes em tratamento ambulatorial devido ao fato que essa população exibe níveis muito diferentes de motivação em relação à busca de tratamento da dependência alcoólica. Vale ressaltar que no ambulatório de tratamento especializado o paciente apresenta algum conhecimento prévio da sua problemática relacionada ao beber. Já no ambulatório de gastroenterologia, a motivação refere-se ao tratamento de danos gástricos e não diretamente do alcoolismo.

Foram estudados 151 pacientes no ambulatório de gastroenterologia e 175 do serviço de tratamento do alcoolismo. Todos pacientes entrevistados eram dependentes de álcool. As entrevistas foram realizadas na primeira consulta do paciente nos respectivos serviços por um dos três psicólogos treinados.

Os critérios de inclusão no estudo foram:

Ambulatório especializado no tratamento da dependência de álcool: todos os pacientes que procuraram tratamento por problemas relacionados ao consumo de álcool, com dependência leve, moderada ou severa classificada no Alcohol Dependence Data Questionnaire (SADD).9

Ambulatório de gastroenterologia: inicialmente todos os pacientes que ingressaram no serviço foram rastreados pelo AUDIT10 (pontuação maior ou igual a 8) e posteriormente foram submetidos ao Alcohol Dependence Data Questionnaire (SADD),9 que detectou a dependência alcoólica.

Durante o período de 21 meses, foram entrevistados 336 pacientes no ambulatório de gastroenterologia, sendo que desse montante 158 pacientes (47%) obtiveram pontuação igual ou maior que 8 no AUDIT. Vale ressaltar que sete pacientes se recusaram a fazer parte no estudo.

As doenças mais comuns diagnosticadas no ambulatório de gastroenterologia foram: 57% (n = 86) hepatopatia, 8% (n = 12) hepatites, 6% (n = 9) pancreatites, 14% (n = 21) diagnóstico a investigar e 15% (n = 23) outros.

Os critérios de exclusão foram: pacientes que apresentaram consumo de outras substâncias psicotrópicas diferentes do álcool, pacientes com doença gástrica que não eram dependentes de álcool e pacientes que apresentaram alto grau de intoxicação durante a entrevista. Também foram excluídas as mulheres por se tratar de um número reduzido, que poderia atuar na análise estatística como uma variável de confusão.

Instrumentos: A entrevista consistiu na utilização dos seguintes instrumentos:

1) Dados sócio-demográficos: idade, escolaridade, cor, estado civil, ocupação e renda familiar usando como parâmetro o salário mínimo brasileiro.

2) Padrão de consumo alcoólico: através de questionário padronizado em estudo multicêntrico para marcadores biológicos do alcoolismo,11 desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (WHO) e Sociedade International de Pesquisa Biomédica em Alcoolismo (ISBRA). As perguntas abordavam o padrão de consumo de bebidas alcoólicas, quantidade e freqüência de uso nos últimos 30 dias e também o período de consumo pesado.

3) Short-Form Alcohol Dependence Data Questionnaire (SADD): derivado do Alcohol Dependence Data (ADD), consiste de 15 items.12 A versão brasileira mede a severidade de dependência de álcool em leve, moderada e severa.9

3) Short-Form Health Survey (SF-36): Investiga padrão de qualidade de vida através de uma avaliação genérica da saúde não específica para uma determinada doença, idade ou grupo de tratamento. Este instrumento foi validado no Brasil por Cicconelli,13 com 36 questões que avaliam: Aspectos Físicos, Capacidade Funcional, Dor, Estado Geral de Saúde, Aspectos Sociais e Emocionais, Saúde Mental e Vitalidade. Os escores SF-36 vão de 0 a 100, sendo 100 a melhor qualidade de vida e 0 a pior.

4) The Drinker Inventory of Consequences (DrInc 2-L): este instrumento avalia os problemas e conseqüências decorrentes do hábito de beber. Foi desenvolvido no Projeto MATCH14 para a descrição de clientes e avaliação do desfecho clínico, sendo posteriormente traduzido e adaptado para o português.15

5) University of Rhode Island Change Assessment Scale (URICA): Com base nos estágios de mudança de Prochaska e DiClemente, McConnaughy e colaboradores16 desenvolveram a URICA, escala com 32 itens. Cada uma das subescalas da URICA corresponde aos estágios de mudança: pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção. Este questionário foi traduzido e adaptado culturalmente para a realidade brasileira, retro traduzido para o inglês, com o alfa de Cronbach entre 0.63 e 0.79.17

6) The Stages of Change, Readiness and Treatment Eagerness Scale (SOCRATES): investiga a prontidão para mudança do hábito de beber através dos escores em reconhecimento, ambivalência e ação.18 A versão brasileira apresentou o alfa de Cronbach de 0.74 e 0.89. O questionário foi traduzido e adaptado culturalmente e retro traduzido para o inglês. A análise fatorial confirmatória mostrou que a existência de dois fatores correlacionados se ajusta melhor ao modelo proposto.19

7) Fagerström Test for Nicotine Dependence (FTND): Desenvolvida por Karl-Olov Fagerström20 e depois readaptada por Healtherton e colaboradores.21 Consiste em 6 questões referentes ao padrão típico de fumar, possibilitando a classificação da dependência de nicotina em leve, moderada e severa.

Considerações éticas: O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa da Universidade de Federal São Paulo, conforme os princípios da Declaração de Helsinki (1964). Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento antes de participar do estudo, sendo garantido o anonimato e confidencialidade dos dados.

Análise estatística: As duas populações foram comparadas pelo teste Chi-Quadrado para variáveis categóricas e o Teste t para variáveis numéricas que seguiram uma distribuição normal. Dados que não seguiram uma distribuição normal foram analisados com o teste não paramétrico Mann-Whitney. A significância estatística foi de p menor ou igual a 0.05.


Resultados

Dados demográficos

Nos dados demográficos não foram encontradas diferenças significantes entre os grupos, com exceção da idade (p < 0.01) que no grupo da gastroenterologia mostrou-se aumentada (x = 47.6; sd = 10.7) quando comparada com o grupo do ambulatório específico no tratamento do alcoolismo (x = 41.3; sd = 9.8). Os grupos se mostraram semelhantes em relação à raça (branca), estado matrimonial (casado), estado profissional (desempregado) e renda familiar (1 a 5 salários mínimos).


Padrão do consumo alcoólico e conseqüências do beber

Quanto ao grau de dependência alcoólica foi encontrada diferença significante, onde 60% (n = 105) dos pacientes do ambulatório especializado apresentou dependência grave e 39% (n = 59) dos pacientes da Gastroenterologia apresentou dependência moderada (Tabela 1).

Com relação aos dados do consumo alcoólico nos últimos 30 dias, foi observado que o grupo do ambulatório especializado apresentou um padrão de uso nocivo quando comparado com o grupo da gastroenterologia, que apresentou um padrão de consumo moderado. A duração desse padrão de consumo em semanas foi superior nos pacientes do grupo do ambulatório especializado (48 semanas) perante os pacientes da gastroenterologia (16 semanas). A última dose ingerida foi mais recente nos pacientes do ambulatório especializado (3 dias) quando comparado com o Ambulatório da Gastroenterologia (38 dias). Com relação ao consumo alcoólico no passado superior ao padrão atual, ambos os grupos apresentaram um padrão de uso nocivo, sendo que a duração desse consumo foi superior nos pacientes do ambulatório de gastroenterologia (288 semanas), quando comparado com os pacientes do grupo do ambulatório especializado (144 semanas) (Tabela 1).

No tocante aos problemas e conseqüências decorrentes do hábito de beber, o grupo do ambulatório especializado apresentou índices superiores (x = 32.4; sd = 9), quando comparado com o grupo da gastroenterologia (x = 26.2; sd = 11) (Tabela 1).


Tabela 1

Tabagismo

Foi encontrada uma prevalência de 82% (n = 121) de fumantes na gastroenterologia e 81% (n = 142) no ambulatório especializado. Nos fumantes, o grau de dependência de nicotina não apresentou significância estatística entre os grupos, sendo mais freqüente a dependência moderada de nicotina no grupo do tratamento especializado e leve, no grupo da gastroenterologia (Tabela 1).


Quality life

Quanto ao padrão de qualidade de vida, os pacientes do ambulatório especializado apresentaram escores superiores em Capacidade Funcional, Aspectos Físicos e Vitalidade, enquanto que o grupo da gastroenterologia apresentou escores superiores em Aspectos Emocionais e Saúde Mental (Tabela 1). Não foram encontradas diferenças significantes em Saúde Geral e Aspectos Sociais.


Motivação para tratamento

Com relação aos estágios de mudança, foram encontradas diferenças significantes em todas as subescalas da URICA, sendo que o grupo de tratamento especializado apresentou pontuação superior nos estágios de contemplação, ação e manutenção e o grupo da gastroenterologia apresentou pontuação superior em pré-contemplação. Na SOCRATES, os pacientes do tratamento especializado obtiveram pontuação superior em reconhecimento e ambivalência, não sendo encontrada nenhuma diferença estatística significante em Ação (Tabela 2).







Discussão

Um dos aspectos importantes deste trabalho é a amostra, uma vez que serviu como a base para a comparação entre os grupos. Ao analisar os dados demográficos foi observada certa homogeneidade nas características, apenas ressaltando a idade que nos pacientes da gastroenterologia foi mais elevada quando comparada com os pacientes do ambulatório especializado. É sabido que pacientes que desenvolveram doenças gástricas de etiologia alcoólica apresentaram um padrão de beber excessivo com duração de 5 até 20 anos,22,23 o que poderia explicar a idade aumentada nos pacientes da gastroenterologia. Chama atenção para uma ação de promoção de saúde 40% (n = 45) de dependência alcoólica nos pacientes que passaram por consulta pela primeira vez em um ambulatório clínico de hospital geral, em praticamente 6 meses de atendimento. Vale lembrar que foi observada a presença de pacientes dependentes de álcool em acompanhamento no serviço, mas estes dados não foram pesquisados, pois apenas foram entrevistados pacientes recém ingressados no serviço. Fica a questão: qual a real prevalência neste tipo de clientela que procura o tratamento gástrico, mas que também apresenta dependência alcoólica que necessita ser assistida, incorrendo tanto em custos financeiros para o sistema de saúde e custo social.

Os pacientes do serviço especializado no tratamento do alcoolismo eram mais jovens, mais severamente dependentes do álcool e com padrão de consumo nocivo na atualidade. Apesar de serem mais jovens, apresentaram mais problemas e conseqüências relacionadas ao beber, problemas emocionais e de saúde mental, porém menor proporção de conseqüências físicas. Com relação à motivação, estes pacientes se mostraram mais propensos em visualizar sua problemática com bebidas alcoólicas e na procura de ajuda para mudar o comportamento de beber.

Os pacientes do ambulatório especializado no tratamento de doenças de gástricas tiveram um período de consumo alcoólico superior em termos de duração, quando comparados com os pacientes do ambulatório especializado no tratamento do alcoolismo. Embora os pacientes do ambulatório de gastroenterologia apresentaram tempo de consumo alcoólico superior, foi constatada dependência moderada, sendo que no último mês encontravam-se abstêmios; mostraram menor índice de problemas relacionados ao beber durante a vida, com menores limitações emocionais e problemas de saúde mental geral. No entanto, no que tange a motivação, estes pacientes se mostraram menos propensos na visualização de sua problemática com bebidas alcoólicas e na procura de ajuda para mudar o comportamento, indicativos esses do estágio de pré-contemplação.

A incidência de fumantes foi superior no ambulatório especializado quando comparado com os pacientes do ambulatório de Gastroenterologia. O padrão de dependência de nicotina nos dois grupos demonstrou ser semelhante uma vez que não foi encontrada significância estatística. Estudos mostram que o hábito de beber intensifica o fumar,24 sendo que em excesso as bebidas e o fumo causam lesão aguda à mucosa estomacal e o fumo reduz a secreção de substâncias protetoras na parede do estômago, comprovando que a prevalência de úlceras é maior entre os fumantes25 e que em aproximadamente 51% dos dependentes de álcool, a causa do óbito é decorrente de problemas oriundos da nicotina.26

Ao avaliar o reconhecimento do alcoolismo e a ambivalência, o escore superior em reconhecimento/ambivalência encontrado nos pacientes do ambulatório especializado indicou propensão a refletir sobre o hábito de beber de maneira ambígua, enquanto que no grupo da gastroenterologia, que obteve escores inferiores, indicou pequena disponibilidade de reflexão sobre o beber. Dados similares são apontados pela literatura que demonstra que bebedores que desenvolveram doenças do fígado apresentaram insight limitado entre o comportamento de beber e seu estado de saúde.27

Como os pacientes do serviço especializado no tratamento de alcoolismo estavam procurando ajuda voluntariamente, os mesmos apresentaram escores superiores em contemplação, ação e manutenção. O fato que chama atenção reside nos pacientes do ambulatório especializado no tratamento de doenças de gástricas, que tiveram complicações físicas sérias que necessitaram tratamento médico e já haviam mudado o comportamento de beber e fumar. No entanto, com altos escores em pré-contemplação e baixos escores em ação e manutenção, pode-se aferir que a abstenção na atualidade não é uma mudança concretizada, mas sim uma razão para a abstinência temporária.

Outra explicação é que os pacientes com doenças gástricas são menos dependentes de álcool.28,29 Entretanto existem evidências de que bebedores com doenças de fígado apresentaram insights limitados na relação entre o comportamento de beber e sua condição de saúde,27 não diferindo de pacientes com problemas de fígado que não apresentaram alcoolismo.30 Existem evidências de que muitas pessoas com dependência de álcool que sofrem de doenças secundárias, não aceitarão indicações para tratamento do alcoolismo.31,32 Além do mais, profissionais de cuidados primários de saúde que trabalham em serviços médicos podem não estar qualificados para reconhecer ou tratar o consumo nocivo de álcool.33,34 Neste contexto, qualquer intervenção empregada no ambulatório de doenças de gástricas poderia ser realizada inicialmente no local, por profissionais especializados no tratamento do alcoolismo.35

As implicações destes resultados devem ser consideradas no planejamento da intervenção apropriada para cada grupo pacientes. Pacientes do tratamento especializado do alcoolismo provavelmente serão bebedores nocivos e dependentes, com consumo pesado na atualidade. O tratamento deveria almejar a redução no consumo alcoólico atual ou a abstinência propriamente dita. No geral, estes se apresentaram mais motivados e receptivos para a realização de modificações comportamentais e cognitivas frente ao comportamento de beber.36 Por outro lado, os pacientes do ambulatório especializado no tratamento de doenças de gástricas apresentaram complicações físicas do consumo de bebidas alcoólicas e forçosamente reduziram ou pararam o consumo, porém são menos receptivos ao tipo de intervenção oferecida por serviços de tratamento especializados em alcoolismo. O objetivo inicial dessa intervenção almejaria a adesão desses pacientes de modo a trabalhar a relação entre o consumo de álcool e problemas físicos e de saúde. Essa etapa inicial pode apoiar mudanças que foram realizadas no comportamento de beber e posteriormente, ensinar habilidades na prevenção de recaída.37


Conclusão

Os pacientes do ambulatório de doenças gástricas mostraram baixa motivação para mudar o comportamento de beber. O tratamento pode ser uma razão para a abstinência temporária do consumo de bebidas alcoólicas em decorrência das doenças gástricas, uma vez que os pacientes apresentaram escores superiores em pré-contemplação e inferiores em ação e manutenção. Futuros estudos são importantes de modo a fornecer subsídios para o planejamento de intervenções com vistas a melhorar o desfecho no tratamento do alcoolismo daqueles que não procuram tratamento especializado para dependência alcoólica.



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