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PRÉ-ECLAMPSIA: UM MODELO IN VIVO DE PERDA DE PROTECÇÃO PELAS HDL
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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ffup.jpg belo9.jpg Autor:
Belo, Luis
Columnista Experto de SIIC

Institución:
Facultad de Farmacia Universidad do Porto Porto, Portugal

Artículos publicados por Belo, Luis  
Coautores
Alice Santos-Silva. Irene Rebelo*  Muriel Caslake**  Gordon Lowe***  Ann Rumley**  Luís Pereira-Leite****  Alexandre Quintanilha***** 
Professoras Auxiliares Faculdade de Farmácia e Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto*
PhD Royal Infirmary, University of Glasgow**
MD, FRCP Royal Infirmary, University of Glasgow***
Professor Catedrático Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Hospital de S. João****
Professor Catedrático Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto*****

Recepción del artículo: 27 de mayo, 2004

Aprobación: 15 de septiembre, 2004

Primera edición: 7 de junio, 2021

Segunda edición, ampliada y corregida 7 de junio, 2021

Conclusión breve
Os nossos resultados indicam que mulheres pré-eclâmpticas apresentando níveis baixos de HDL poderão perder protecção mediante o envolvimento dos sistemas inflamatório e hemostático

Resumen

A gravidez humana está associada a hiperlipidémia fisiológica marcada (com um perfil tipo "aterogénico") que é normalmente bem tolerada pela mãe; entre outras modificações, o aumento na concentração de lipoproteínas de alta densidade (HDL) durante a gravidez normal poderá ajudar a conferir protecção à mãe. Contudo, em gravidezes de elevado risco, como na pré-eclampsia (PE), o controlo da hiperlipidémia poderá não funcionar correctamente. A PE é uma alteração hipertensiva característica da gravidez humana, potencialmente perigosa para a mãe e para o feto. Embora os mecanismos exactos que desencadeiam esta síndrome permaneçam por esclarecer, a dislipidémia e a activação de leucócitos poderão contribuir para o desenvolvimento de stresse oxidativo e disfunção vascular observados na PE. Uma situação frequentemente observada na PE é o nível reduzido de HDL e verificámos existir uma correlação inversa e significativa entre os níveis de apolipoproteína (apo) A-I, o maior constituinte proteico das HDL, e marcadores de activação do neutrófilo (lactoferrina e elástase) assim como com o D-dímero (um produto de degradação da fibrina). Os nossos resultados indicam que mulheres pré-eclâmpticas apresentando níveis baixos de HDL poderão perder protecção mediante o envolvimento dos sistemas inflamatório e hemostático.

Palabras clave
HDL, inflamação, coagulação, gravidez normal, pré-eclampsia

Clasificación en siicsalud
Artículos originales> Expertos del Mundo>
página www.siicsalud.com/des/expertos.php/68690

Especialidades
Principal: Obstetricia y Ginecología
Relacionadas: BioquímicaEndocrinología y MetabolismoMedicina InternaMedicina Reproductiva

Enviar correspondencia a:
Luís Belo Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto; Rua Aníbal Cunha, 164; 4099-030 PORTO, Portugal Belo, Luis

Patrocinio y reconocimiento
Agradecimentos: Os autores desejam agradecer a Laura Pereira, Maria Ondina, Dorothy Bedford e Grace Stewart pelo apoio técnico e à Universidade do Porto bem como à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT-Portugal) pelo apoio financeiro (PRAXIS XXI/BD/16061/98).

PRE-ECLAMPSIA: AN IN VIVO MODEL FOR LOSS OF PROTECTION BY HDL

Abstract
Human pregnancy is associated with pronounced physiological hyperlipidaemia (with an "atherogenic-like" profile) that is usually well tolerated by the mother; among other changes, the increase in the concentration of high-density lipoprotein (HDL) particles during normal pregnancy may help to confer protection to the mother. However, in complicated pregnancies, such as pre-eclampsia (PE), the control of hyperlipidaemia may be disturbed. PE is a typical hypertensive disorder of human pregnancy, being potentially dangerous for both the mother and the fetus. Although the exact mechanisms leading to this syndrome remain to be clarified, dyslipidaemia and activated leukocytes may contribute to oxidative stress and vascular dysfunction observed in PE. One of the features often observed in PE is the reduced HDL level, and we found a significant inverse correlation between the concentrations of apolipoprotein (apo) A-I, the major protein constituent of HDL, and markers of neutrophil activation (lactoferrin and elastase) as well as with fibrin D-dimer. We believe that pre-eclamptic women presenting low levels of HDL may lose protection involving the inflammatory and haemostatic systems.


Key words
HDL, inflammation, coagulation, normal pregnancy, pre-eclampsia

PRÉ-ECLAMPSIA: UM MODELO IN VIVO DE PERDA DE PROTECÇÃO PELAS HDL

(especial para SIIC © Derechos reservados)

Artículo completo
A gravidez humana –mudanças fisiológicas no perfil lipídico e lipoproteico
A gravidez humana está associada a uma hiperlipidémia fisiológica marcada através de mecanismos hormonais.1-3 Durante a gravidez humana, os níveis plasmáticos de triglicerídeos (TG) aumentam 2 a 4 vezes, enquanto o colesterol aumenta 25% a 50%.1,3-5 Esta hiperlipidémia fisiológica poderá ajudar a fornecer colesterol à placenta, para a síntese de esteróides, e percursores metabólicos ao feto.6
O aumento nos níveis de TG deve-se primariamente a um aumento nas concentrações de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), com incrementos de 4 vezes (em média) de VLDL1 e VLDL2 pelas 35 semanas.7 Durante a gestação, uma elevação nos níveis de TG é encontrada não só nas VLDL, mas também em outras lipoproteínas, nomeadamente nas LDL e HDL.3,8,9
O aumento dos níveis de TG ao longo da gestação é acompanhado por uma mudança no perfil das sub-fracções de LDL, embora as mudanças exactas ao nível desse perfil permaneçam controversas. Sattar et al.,7 através da quantificação de três sub-fracções de LDL (LDL-I, -II, e –III), não encontrou, em quatro de dez mulheres, mudanças substanciais no perfil das LDL ao longo da gravidez; contudo, nas outras seis mulheres ocorreu uma mudança no sentido da formação de espécies mais pequenas e densas com o avançar da gestação, havendo um aumento da proporção de LDL-III em desfavor das LDL-II. Winkler et al.,9 pela avaliação da concentração de seis classes de densidade de LDL, demonstrou existir um aumento das LDL mais densas no primeiro trimestre e uma acumulação de LDL menos densas no segundo e terceiro trimestres de gravidez. Outro grupo, através da medição do tamanho das LDL, descreveu uma redução no diâmetro predominante das partículas LDL (LDL-PPD) com o evoluir da gravidez.10
Estudos numa população portuguesa
No sentido de avaliar/clarificar alterações fisiológicas nos lipídeos e lipoproteínas ao longo da gravidez humana, realizámos, numa amostragem portuguesa caucasiana, um estudo transversal envolvendo 288 mulheres.11 As mulheres grávidas foram divididas em três grupos de acordo a idade gestacional: primeiro trimestre (1.0±13.0 semanas de gestação; n = 64), segundo trimestre (13.1±25.0 semanas de gestação; n = 48), e terceiro trimestre (25.1±40.0 semanas de gestação; n = 67). Foram também avaliadas algumas mulheres no puerpério (24±48h pós-parto; n = 32).
Avaliámos o perfil lipídico tradicional, quantificando, por métodos padronizados, os níveis séricos de TG, colesterol total (ColT), apolipoproteína (apo) A-I, apo B, HDL-colesterol (HDLc) e de LDL-colesterol (LDLc). Após isolamento das LDL do plasma por ultracentrifugação, quantificámos, por electroforese em gel de gradiente de poliacrilamida (2-16%), o LDL-PPD, o diâmetro médio das partículas LDL (LDL-MPD) e a proporção relativa de LDL-I, -II e -III.
Os níveis séricos de TG, ColT, apo B e LDLc aumentaram substancialmente e progressivamente ao longo da gravidez. As concentrações de HDLc e apo A-I também aumentaram significativamente, atingindo um pico no segundo trimestre e diminuindo ligeiramente no terceiro trimestre. Estas mudanças observadas nos lipídeos e lipoproteínas durante a gestação humana estão de acordo com estudos prévios.1,12 De realçar que, tal como em estudos anteriores,1,3-5 os aumentos nos níveis de TG durante a gestação foram muito mais pronunciados do que os observados com o ColT.
No nosso estudo,11 a avaliação do diâmetro das partículas LDL foi de particular relevância. Com o decorrer da gravidez, observámos uma alteração no perfil das LDL no sentido do aparecimento de espécies mais pequenas. Esta alteração tornou-se evidente logo no início da gestação e os níveis elevados de TG parecem ser, pelo menos em grande parte, responsáveis por essa mudança. A correlação inversa e fortemente significativa entre os níveis de TG e o diâmetro das LDL (LDL-MPD e LDL-PPD) parece sugerir isso.
A redução no diâmetro das LDL poderá reflectir uma produção aumentada e/ou clearance reduzida de LDL pequenas.13 Durante a gravidez, as concentrações de VLDL aumentam progressivamente promovendo o enriquecimento das LDL em TG; a subsequente hidrólise de TG nas LDL, mesmo com uma baixa actividade de lípase hepática (HL) durante a gravidez, poderá resultar numa remodelação das sub-fracções de LDL, tornando-as mais pequenas e densas.7 A discrepância de resultados observados na literatura relativamente às mudanças no perfil das LDL poderá ser explicada pela diferença nas populações estudadas e/ou na metodologia utilizada.
De realçar que, no nosso estudo, as mudanças no diâmetro das LDL foram mais pronunciadas no início de gestação. A redução progressiva da actividade da HL ao longo da gestação3 poderá contribuir para que as alterações nas LDL sejam menos pronunciadas no final da gravidez.
Um aspecto importante da nossa investigação foi o termos descrito uma nova forma de expressar o diâmetro das LDL: LDL-MPD. É importante referir que o LDL-PPD, frequentemente descrito na literatura,10,13 fornece pouca informação acerca do perfil das LDL, pois indica apenas o tamanho predominante das LDL –entra em linha de conta apenas com a principal banda de LDL obtida no gel de electroforese. Deste modo, o LDL-MPD parece ser um indicador mais valioso do tamanho das LDL pois descreve o diâmetro da população total de LDL (todas as bandas são tidas em consideração).
Apesar da maioria das modificações observadas nos lipídeos e lipoproteínas apresentarem um perfil tipo "aterogénico", é importante realçar que elas são bem toleradas pelo organismo materno. O facto de algumas destas mudanças serem menos pronunciadas no final da gestação poderá evidenciar um certo mecanismo protector do organismo materno no sentido de as tolerar melhor. O aumento do número de partículas de HDL poderá também ajudar a proteger a mãe, contrabalançando as modificações das lipoproteínas contendo apo B. Mais ainda, com o terminar da gravidez o perfil lipídico tipo "aterogénico" começa a regredir. De facto, no estudo transversal, verificámos que os níveis de ColT, apo B, e LDLc diminuíram significativamente 24-48 h após o parto.11
Pré-eclampsia
A pré-eclampsia (PE) é uma alteração multissistema característica da gravidez humana e é uma das principais causas de mortalidade e morbilidade materna e perinatal.14 Clinicamente, a PE é definida por hipertensão gestacional associada a proteinúria.15,16 Embora a PE se inicie precocemente, as manifestações clínicas são geralmente tardias, ocorrendo habitualmente após as 20 semanas de gestação. A PE desaparece a seguir ao parto, após remoção do tecido placentário do útero.16 O quadro típico da zona utero-placentária associado a esta síndrome é o de aterose aguda dos vasos deciduais, que se caracteriza pela lesão da parede vascular com presença de células espumosas.17
Embora o mecanismo exacto envolvido na fisiopatologia da PE permaneça por esclarecer, o desenvolvimento de stresse oxidativo18 e de disfunção da célula endotelial19 poderão desempenhar papeis primordiais nesse mecanismo. A célula endotelial exerce uma larga variedade de funções –incluindo a regulação do tónus vascular, o controlo da coagulação sanguínea e da fibrinólise, e a modulação da inflamação– e o stresse oxidativo constitui uma explicação plausível para a disfunção endotelial e subsequentes mudanças fisiopatológicas observadas na PE.16 Mais ainda, a activação de leucócitos e a existência de um perfil lipídico anormal poderão desempenhar um papel na promoção do stresse oxidativo e disfunção vascular na PE.20 Embora as alterações bioquímicas sejam bem controladas e toleradas numa gravidez normal, em gravidezes complicadas os mecanismos reguladores dessas alterações poderão estar descontrolados.
Perfil lipídico na PE
Existe um consenso considerável de que a PE está associada a níveis aumentados de ácidos gordos livres21-23 e de TG,21-28 embora pareça que a síndrome de HELLP (O acrônimo "HELLP" representa: H-Hemolysis, EL-Elevated Liver enzymes e LP-Low Platelet count), aceite por muitos autores como uma variante de PE severa, não seja acompanhada pelo mesmo grau de hipertrigliceridémia.27 Na PE, as concentrações elevadas de TG estão associadas a concentrações elevadas de VLDL na circulação.25,27 Existe também alguma evidência consistente de que os níveis médios de colesterol21,24-28 e LDLc21,26-28 são semelhantes nas gravidezes normais e na PE. Contudo, existe ainda controvérsia no que diz respeito à alteração de outras variáveis.
Na PE, foi observado que, relativamente à gravidez normal, os níveis de TG são mais elevados nas VLDL, IDL e HDL,27 o conteúdo em TG relativo à apo B é significativamente superior nas LDL,27 e que o perfil das LDL é dominado pelas partículas menos densas, estando as mais densas significativamente diminuídas.29 Em oposição a estes estudos, outros autores não encontraram diferença no conteúdo das LDL em TG e referem que a actividade da HL bem como a concentração de LDL densas estão aumentadas na PE.25 De acordo com estas variações, o LDL-PPD foi descrito como estando significativamente reduzido na PE comparativamente com a gravidez normal.22
Um estudo em mulheres portuguesas com PE
Com o intuito de avaliar/clarificar alterações nos lipídeos e lipoproteínas decorrentes desta desordem hipertensiva, numa amostragem portuguesa caucasiana, estudámos mulheres com PE no terceiro trimestre de gestação (n = 51) e no puerpério (n = 26) e comparámo-las com controlos obtidos nesses mesmos períodos.11
As mulheres com PE apresentaram, quando comparadas com mulheres saudáveis no terceiro trimestre de gestação, concentrações significativamente superiores de TG e inferiores de HDLc e apo A-I (tabela 1). No terceiro trimestre, o LDL-MPD também se apresentou significativamente reduzido para o grupo hipertenso.



Valores apresentados como média ± desvio padrão ou mediana (amplitude interquartílica);†, Teste t de Student para amostras independentes; ¥, Teste U de Mann-Whitney.(a) Belo L, Caslake M, Gaffney D, et al. Atherosclerosis 2002;162:425-432;(b) Belo L, Santos-Silva A, Caslake M, et al. Hypertens Pregnancy 2003;22:129-141;(c) Belo L, Santos-Silva A, Rumley A, et al. Br J Obstet Gynaecol 2002;109:1250-1255.
Os níveis de TG significativamente mais elevados na PE estão de acordo com diversos estudos prévios realizados nesta área.21-28 A razão pela qual as concentrações de TG estão elevadas na PE permanece pouco clara, mas poderá envolver uma resistência aumentada à insulina, uma redução de β-oxidação hepática ou um catabolismo reduzido de TG.30
Alguns autores propuseram que a hipertrigliceridémia na PE inclui stresse oxidativo mediante a promoção de alterações na composição das LDL com consequente formação de partículas densas e pequenas.22,25 Contudo, segundo outros autores o perfil das LDL na PE é dominado pelas LDL menos densas, estando as partículas de LDL mais densas significativamente reduzidas.29 No nosso estudo,11 a avaliação da proporção relativa das sub-fracções de LDL, por electroforese em gel de gradiente, revelou não existirem diferenças na percentagem relativa de LDL-III entre mulheres grávidas normais e mulheres com PE; no entanto, um aumento significativo na percentagem de LDL-II foi observado na PE, justificando (juntamente com uma população de partículas de LDL mais homogéneas) a redução significativa do LDL-MPD na PE.
No grupo com PE encontrámos também níveis significativamente mais baixos de HDLc e apo A-I –o maior constituinte proteico das HDL. Alguns estudos prévios referem resultados similares para os níveis de HDLc24,25 e apo A-I,24 mas outros não encontraram qualquer diferença nos níveis de HDLc.21,26,27 A ausência de diferenças nestes últimos estudos poderá ser explicada pelo número relativamente pequeno de indivíduos estudados. Os resultados encontrados pelo nosso grupo relativamente aos níveis de HDLc estão de acordo com dois grandes estudos, um envolvendo 125 casos com PE e 179 controlos28 e o outro envolvendo 200 casos com PE e 97 controlos.31
Na PE, os níveis inferiores de HDLc e apo A-I poderão revelar uma incapacidade no aumento do número de partículas de HDL durante a gestação, ou, simplesmente, a existência de níveis de HDL naturalmente baixos nestas mulheres. Na verdade, no nosso estudo, as concentrações de HDLc e apo A-I eram também significativamente mais baixas no puerpério de mulheres com PE.11 Consistente com esta observação são os níveis significativamente reduzidos de HDLc encontrados por outro grupo, seis semanas pós-parto, em mulheres com PE.32
Activação neutrofílica e hemóstase na PE
Através do estudo das mesmas mulheres grávidas (normais e pré-eclâmpticas), o nosso grupo de trabalho encontrou concentrações plasmáticas de elástase significativamente superiores na PE33 (tabela 1). A elástase é uma protease contida nos grânulos primários dos neutrófilos, sendo frequentemente usada como indicador indirecto de activação neutrofílica. Além disso, encontrámos não só uma razão elástase/neutrófilo significativamente superior no grupo com PE (tabela 1), como também uma forte correlação positiva entre os níveis circulantes de elástase e de ácido úrico (r = 0.457, n = 51, P = 0.0007), o qual é considerado por alguns autores como um indicador da severidade da PE. Nesse mesmo estudo, a lactoferrina –uma proteína contida nos grânulos secundários dos neutrófilos– apesar de não estar elevada no plasma de mulheres com PE, apresentou uma correlação mais forte do que a elástase com os níveis de ácido úrico (r = 0.638, n = 51, P < 0.0001).
Num outro estudo, através da avaliação de um número inferior de mulheres dos mesmos grupos (37 mulheres com PE versus 56 mulheres grávidas controlo), verificámos que as mulheres com PE apresentam: (1) valores significativamente superiores do activador do plasminogénio tipo tecidular (t-PA) e do inibidor do activador do plasminogénio tipo 1 (PAI-1), ambos produzidos pela célula endotelial e com propriedades antagónicas no processo fibrinolítico, sugerindo assim a existência de disfunção endotelial, e (2) concentração significativamente superior de D-dímero (um produto de degradação da fibrina), indicando coagulação intravascular aumentada e activação da fibrinólise34 (tabela 1).



Figura 1. Correlações entre os níveis circulantes de apo A-I e os de D-dímero, lactoferrina e elástase no grupo com PE. r, coeficiente de correlação linear de Pearson; rs, coeficiente de correlação por postos de Spearman; *, correlação após remoção dos três valores extremos ("outliers") de D-dímero (>2000 ng/ml).
O papel protector das HDL
Da combinação dos resultados obtidos nos nossos diversos estudos, identificámos no grupo com PE uma correlação inversa e significativa dos níveis de apo A-I com os de D-dímero, de elástase e de lactoferrina (figura 1), pelo que nos parece oportuno especular sobre os possíveis mecanismos subjacentes a estas correlações (figura 2). Os mecanismos que propomos envolvem interacções entre os sistemas inflamatório e hemostático, nos quais o endotélio está intimamente envolvido. No esquema proposto, as HDL desempenham um papel central nos mecanismos patológicos envolvidos na PE.



Figura 2. Mecanismos hipotéticos envolvendo níveis baixos de HDL, inflamação e hemóstase na PE.
Os níveis reduzidos de HDL observados na PE poderão representar uma perda de protecção das células endoteliais contra agentes perturbadores, tais como lipoproteínas ricas em TG, LDL oxidadas (Ox-LDL) ou citoquinas. As HDL poderão conferir protecção através da inibição da adesão de leucócitos ao endotélio e sua activação induzida pelas Ox-LDL e/ou citoquinas.35 É sabido que os leucócitos, nomeadamente os neutrófilos, podem causar danos nas células endoteliais; além de elástase, os neutrófilos activados libertam outras proteases e substâncias tóxicas capazes de danificar as células endoteliais.36 As HDL poderão desempenhar um papel protector contra os neutrófilos através da inibição da sua activação ou simplesmente através da neutralização de produtos libertados aquando da activação. Contudo, será necessário recorrer a estudos in vitro para testar esta última hipótese. Seria importante medir in vitro o grau de activação neutrofílica mediante estimulação com agonistas fisiológicos, assim como o grau de danificação provocado em células endoteliais pelos neutrófilos activados, na ausência e presença de HDL. Mais ainda, nestas experiências deveriam ser usadas partículas de HDL obtidas de mulheres grávidas controlo e mulheres com PE, no sentido de testar a hipótese da "existência de partículas de HDL não funcionais na PE".
Na PE, a função endotelial alterada poderá explicar a hemóstase anormal observada nesta síndrome.16 As células endoteliais normais participam na regulação da hemóstase, no entanto, quando perturbadas, poderão expressar propriedades protrombóticas.37,38 Também, lipídeos e lipoproteínas poderão contribuir tanto para reacções procoagulantes como anticoagulantes.35 Por exemplo, partículas ricas em TG são procoagulantes, enquanto a fracção HDL é potencialmente anticoagulante. Entre outras propriedades, as HDL podem aumentar a inactivação dos factores Va e VIIIa pela proteína C activada.35 Assim, níveis reduzidos de HDL poderão contribuir também para o estado procoagulante aumentado na PE.
É importante realçar que algumas mulheres com PE apresentam níveis de HDL normais e que, portanto, níveis reduzidos de HDL não são um dado consistente nesta síndrome. Contudo, dadas as correlações que observámos, parece ser razoável assumir que as HDL fornecem protecção através de vários mecanismos e que mulheres pré-eclâmpticas com níveis baixos de HDL poderão perder tal protecção. Estes resultados também sugerem que o nível circulante de HDL poderá funcionar como um indicador da severidade da PE. Menos clara é a amplitude do efeito protector das HDL em mulheres pré-eclâmpticas quando com concentrações normais.
Los autores no manifiestan conflictos.


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