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DOR CRÔNICA EM ONCOLOGIA
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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paranhos9.jpg Autor:
A V Paranhos Miceli
Columnista Experto de SIIC



Artículos publicados por A V Paranhos Miceli 

Recepción del artículo: 20 de febrero, 2004

Aprobación: 0 de , 0000

Primera edición: 7 de junio, 2021

Segunda edición, ampliada y corregida 7 de junio, 2021

Conclusión breve
Paralelamente ao gradativo aumento do interesse pelo tema, tem-se um consenso quanto ao caráter subjetivo e multifatorial da dor, o que requer uma abordagem de tratamento especializada e multidisciplinar.

Resumen

Este trabalho é uma revisão, com algumas modificações e atualizações, do artigo "Dor crônica e subjetividade em oncologia", de mesma autoria, publicado em 2002 pela Revista Brasileira de Cancerologia. A despeito dos avanços ocorridos nos dois últimos séculos ainda restam muitas dúvidas quanto à etiologia e à manutenção da dor crônica, e uma volta à história ajuda a compreender de que maneira vieram evoluindo suas definições, teorias e técnicas de tratamento, inclusive as psicológicas. Apenas no século IXI a dor começou a ser estudada cientificamente e no século XX foi melhor compreendida, de forma sistêmica. Hoje, paralelamente ao gradativo aumento do interesse pelo tema, tem-se um consenso quanto ao caráter subjetivo e multifatorial da dor, o que requer uma abordagem de tratamento especializada e multidisciplinar, de modo a identificar e resolver os problemas de comunicação e mensuração da dor e a ampliar os cuidados terapêuticos oferecidos ao paciente, à família e/ou cuidadores e à equipe hospitalar.

Palabras clave
Psicologia e dor; psico-oncologia; dor e subj, Psicologia e dor; psico-oncologia; dor e subj

Clasificación en siicsalud
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Especialidades
Principal: Oncología
Relacionadas: Atención PrimariaSalud MentalSalud Pública

Enviar correspondencia a:
Ana Valéria Paranhos Miceli. Endereço..Rua General Venâncio Flores 604/101 Cep 22441-090 Rio de Janeiro/RJ/Brasil

CHRONIC PAIN IN ONCOLOGY

Abstract
This work is a revision, with some changes, of another one of the same author entitled "Chronic pain and subjectivity in oncology", published in Revista Brasileira de Cancerologia in 2002. In spite of the advances ocurred in the last two centuries there are still many doubts about ethiology and maintenance of chronic pain, and returning to the history helps us to understand in which way the definitions, theories and techniques of treatment, as well as psychological ones, have been developing. Only at 19th century scientific community begun to study pain and at 20th century, it had a systemic point of view. At this moment, besides the increasing of the concern about this theme, we have a consensus regarding to subjective and multifactorial character of pain, wich request a specialized and multidisciplinar treatment approach, to identify and solve the problems of comunication and measurement of pain, and amplify therapeutics care offered to the patients, their families/caregivers and to the health care team.


Key words
Psychology and pain; psycho-oncology; pain an, Psychology and pain; psycho-oncology; pain an

DOR CRÔNICA EM ONCOLOGIA

(especial para SIIC © Derechos reservados)

Artículo completo
1. INTRODUÇÃO

Atualmente já conhecemos a influência dos fatores psíquicos e sociais, além dos biológicos, na etiologia e na manutenção da dor crônica, assim como a necessidade de tratar rápida e multidisciplinarmente nosso paciente. Na esfera oncológica, a Organização Mundial da Saúde considera que o controle da dor e os cuidados paliativos devam ser prioridades no sistema de saúde pública, incluindo a educação e o treinamento dos profissionais de saúde, nas diferentes fases e tipos de cuidados, como parte integrante do tratamento adequado.1

2. A COMPREENSÃO DA DOR ATRAVÉS DOS TEMPOS

A subjetividade da dor fez com que ela fosse historicamente compreendida e explicada de forma mítica, mística ou religiosa. Uma vez que dor e sofrimento eram inseparáveis, eram socialmente tidos como castigos merecidos pela provocação da cólera dos deuses ou ira divina, e ainda martírios necessários para a purificação e a salvação da alma. Tais conceitos parecem ter de algum modo se fixado no imaginário coletivo, sendo transmitidos de geração para geração e levando muitos pacientes questionarem o que fizeram de errado para merecer sua doença, sua dor, enquanto há outros acreditando que para crescer e amadurecer é preciso sofrer.2

Na história nem tão antiga, no continente europeu, a dor foi também um importante meio de coerção política, social e religiosa, sendo utilizada legalmente para ameaçar e punir os indivíduos e/ou a coletividade,3 mas o direito de punir e castigar era também uma maneira de buscar vingança pessoal e pública.4

Na história contemporânea das sociedades, o poder continuou e continua infligindo punições e sofrimentos não apenas físicos como também sociais e psicológicos aos indivíduos discordantes do sistema, seja nos porões das ditaduras, seja nas torturas cotidianas de múltiplas faces nas sociedades mais liberais, em todos os seus seguimentos, até mesmo nas famílias. Como é possível perceber, a dor foi e é moeda forte quando se trata de conquistar e manter o poder. Possivelmente isto retardou os avanços científicos no estudo do fenômeno dor.

Somente no início do século XIX, com o isolamento da morfina, foram desenvolvidos os opióides e em 1850, com a identificação dos receptores neurológicos e da transmissão dos impulsos nervosos, a dor física finalmente foi separada do sofrimento social, tornando-se um fenômeno biológico, explicado fisiologicamente. Posteriormente com a introdução da anestesia cirúrgica, em 1846, da anestesia local, em 1884 e da aspirina, em 1899.3 é facultado ao homem do século XX o direito de não sentir dor.

Todavia, a dor era agora explicada somente neurologicamente e as dores que não tinham um substrato físico-orgânico claramente identificável continuavam inexplicadas. Freud, então, provoca um corte epistemológico na história da Ciência ao refutar a visão de mundo reducionista, mecanicista e determinista da física newtoniana e do pensamento cartesiano, dominantes desde o século XVII, com suas revolucionárias idéias reunidas, no nascimento do século XX, sob o nome de Psicanálise.2

Por outro lado, também no início do século XX, a crença nas leis objetivas do universo, na existência de uma verdade absoluta e na certeza da observação são abaladas pela Teoria da Relatividade de Einstein e a Psicologia da Gestalt, conceituando que "o todo é mais do que a simples soma das partes", releva a importância do contexto, uma vez que para haver percepção (então distinta de sensação) necessariamente precisaria haver uma diferença (figura/fundo). 2

Atualmente, a partir destes novos paradigmas, pensamos em corpo e mente como um sistema integrado. Observamos e tratamos pessoas, e estas são muito mais do que os sintomas que apresentam, entre eles a dor.2 A distinção entre doença do cérebro e da mente, problemas neurológicos, psicológicos ou psiquiátricos, reflete uma herança cultural infeliz e equivocada.5 Estudos recentes6 demonstram, através de exames de neuroimagem, que alguns mecanismos neurais recrutados na experiência e na regulação da dor física estão também envolvidos na experiência e na regulação da dor associada com separação social ou rejeição, dividindo ambas uma mesma base neuro-anatômica. Em poucas palavras, já existe evidência de que rejeição dói.6

Voltando à história, as teorias freudianas sobre a existência de um princípio de constância do aparelho psíquico7 que, à semelhança do conceito de homeostase, seria uma tendência, inerente ao sistema nervoso, para reduzir totalmente ou pelo menos manter constante as excitações presentes e assim manter o equilíbrio do aparelho psíquico8 e a consideração de todo processo mental de forma dinâmica, topográfica e econômica9 trouxeram suas contribuições em direção à uma reinterpretação dos mecanismos da dor, tanto quanto à sua etiologia, quanto à sua manutenção. Na intenção de compreender as neuroses, Freud9 teoriza que um determinado impulso instintual inconsciente (cujo reservatório é o id) geraria desprazer, levando o ego (instância psíquica representante da realidade) a tentar suprimir tal impulso. Caso o ego falhasse, em maior ou menor escala, este impulso ainda tentaria ser admitido no sistema consciente, e para tal encontraria um substituto, "mais reduzido, inibido e deslocado", isto é, o sintoma, que seria uma formação de compromisso entre o impulso inconsciente do id e as exigências defensivas do ego, reduzindo assim a situação de conflito. O sintoma, ao ser uma fuga para a doença, seria considerado um benefício (ganho) primário. Por outro lado, o esforço do ego para incorporar o sintoma terminaria por aumentar a fixação do mesmo, tornando mais difícil desfazer esse compromisso entre as instâncias psíquicas e levando o indivíduo, então, a tirar o melhor proveito da sua doença, o que seria o ganho secundário.

Freud9 observou, ainda, que mesmo as dores físicas mais intensas deixavam de surgir quando havia um desvio psíquico ocasionado por outro foco de interesse e que a ansiedade realística (devida a perigos externos) podia mesclar-se à ansiedade neurótica (devida a perigos internos), manifestando-se de forma mais comedida ou desmedida. Assim, os sintomas não seriam frutos de uma simples relação causa-efeito, mas teriam uma multiplicidade causal e, por serem um estado afetivo, teriam a característica da subjetividade. A psicodinâmica do sintoma dor passa a ser então estudada desde a predisposição à dor até os mecanismos de manutenção e perpetuação da dor, nada sendo considerado como acaso.

Paralelamente à Psicanálise, novas informações como o conceito de stress e a evidência de interação entre os sistemas nervoso e imunológico, atestam que as experiências cotidianas da vida poderiam causar impressões físicas no corpo e que toda doença afetaria a psiqué e o soma, como explicariam a Psiconeuroimunologia e a Medicina Psicossomática.10

Ao contrário das teorias freudianas, os teóricos cognitivo-comportamentais acreditavam na causalidade linear existente entre a manutenção da dor e as influências ambientais e que a dor seria reforçadamente mantida apenas pelo ganho secundário através dela obtido. Afirmavam que o comportamento poderia ser modelado como resultado direto do ambiente, sendo a dor sensorial, "respondente", distinta da dor "operante", esta motivada por necessidades psicológicas.11

De toda forma, a partir da 2ª metade do século XX, a dor passa a ser vista como um fenômeno não somente biológico como também psicológico.

Também nesta época, os primeiros terapeutas de família e teóricos sistêmicos estudam a comunicação humana concluindo que, em condições de interação, é impossível não comunicar, e que toda comunicação tem um aspecto de conteúdo e um aspecto de relação, sendo portanto manifesta, mas também latente.12 Pode-se afirmar que há mais de uma forma de se comunicar a dor. Pode-se ainda dizer que a dor, como qualquer outro sintoma, comunicaria aspectos que escapariam ao observador e que não estariam claramente conscientes nem mesmo para o sofredor. Assim, diante de um paciente com dor é preciso pesquisar do quê fala esta dor, e o quê é que ela cala.2

Os teóricos sistêmicos viam o sintoma como uma característica disfuncional do sujeito, até que, em 1977, o físico Prigogine afirmou que um sistema tenderia tanto à homeostase quanto à mudança, havendo "ordem através da flutuação", e assim o sintoma passou a ser considerado não mais como uma característica do sujeito, mas sim como uma característica do sistema.12 Um pouco adiante, nos anos 80, o Movimento Construtivista defendeu a idéia da não existência de dois sistemas separados (observador x observado), mas de apenas um, chamado por Von Foerster13 "sistema observante", onde a realidade é co-construída sendo o conhecimento, portanto, uma ilusão. Outra ilusão, para o biólogo Maturana,14 seria a interação instrutiva, pois o ser humano seria um sistema com estrutura determinada, donde o que aconteceria ao entrar em contato com o ambiente dependeria de sua estrutura no momento e não diretamente do ambiente que seria, sim, um gatilho (mais ou menos favorecedor) para as mudanças. Sendo assim, até mesmo a ação de tratar tem seu caráter de relatividade.

Ao trazermos estes conceitos para a prática clínica, percebemos que são importantes não somente os contextos que contribuíram para a produção e manutenção da dor, sendo o sistema familiar um exemplo, como também o contexto que envolve o momento do diagnóstico e o tratamento oferecido, pois qualquer diagnóstico seria uma invenção, uma co-produção, pois envolveria não somente os sintomas – fala do paciente, como também os sinais – fala do técnico, este também possuidor de sistema próprio de crenças e valores e passível da ocorrência e da alternância dos mais variados estados afetivos.2 O paciente denuncia esta co - produção especialmente quando, ainda assintomático, tem o câncer precocemente diagnosticado, dizendo-nos: "Ele (o médico) é quem diz que eu tenho isto (leia-se: fez isto a mim, deu-me isto)..., mas eu não sinto nada!".2 E não são poucas as vezes em que o paciente recusa o tratamento a ele oferecido por julgar que o médico está equivocado e que os exames de imagem apresentados, se não foram trocados, não sabem mais a seu respeito do que ele mesmo.

Desta forma, devemos atentar para o fato de que o tratamento começa já pelo cuidado na hora do diagnóstico.

3. DEFINIÇÃO, MECANISMOS E DIAGNÓSTICO DA DOR

De acordo com a International Association for the Study of Pain (IASP, fundada em 1973) "dor é uma desagradável experiência sensorial e emocional associada a um dano atual ou potencial do tecido, ou descrita em termos deste dano"15 e o termo "desagradável" desta definição já denota o caráter subjetivo da dor, que abrangeria mecanismos fisiológicos, psicológicos e comportamentais, sendo que o seu experenciar sucessivo criaria um "comportamento de dor" que envolveria os pensamentos, os valores culturais, e o ganho secundário.16

Os fatores neuro - hormono - químicos também fazem parte, junto com os biológicos, psicológicos e comportamentais, da complexa síntese que define a dor.17 A relação entre estímulo psicossocial e a resposta endócrina foi explorada nos anos 70-80, e a Psiconeuroendocrinologia se estabeleceu como disciplina.18 Posteriormente este termo evoluiu para Psiconeuroimunoendocrinologia, por revelar a inter-relação entre estes sistemas, ligação esta que explicaria a associação encontrada, na prática clínica, entre estresse psicológico e infecção, e a associação encontrada entre depressão e uma menor resistência à infecção e à propensão ao desenvolvimento, morbidade e mortalidade por câncer.19

Quanto aos mecanismos da dor, estamos hoje cientes da possibilidade de ausência de dor na presença de um estímulo nocivo, da percepção de dor na ausência de um estímulo nocivo e da manutenção da dor mesmo após o desaparecimento deste, quando a resposta de dor na ausência do estímulo que a originou, tornar- se - ia uma resposta a diversos estímulos semelhantes ou não ao original, encontrando uma maneira de se manifestar. Só não se sabe por que isto acontece, e por que com algumas pessoas sim e com outras não.2

Estudos sobre a dor fantasma revelaram que o cérebro é capaz de gerar qualquer tipo de experiência provocada normalmente por um estímulo sensorial, e que esta dor poderia aumentar devido a problemas psicológicos, excitação ou depressão dos pacientes, sendo possível, ainda, associar um estado de bem-estar à diminuição da dor.20 Embora a etiologia da dor fantasma seja desconhecida, supõe-se haver uma memória somato-sensorial que não se localiza especificamente em uma região do cérebro, mas envolve, sim, uma complexa interação de redes neurais no cérebro.21

Ora, mas já na 1ª metade do século XX Freud22 acreditava que os estados afetivos, como a dor ou a ansiedade, seriam uma reprodução de um evento antigo (experiências traumáticas primevas) que representaria uma ameaça de perigo, uma vez que paralisaria a função reguladora do princípio de prazer. Para ele, a partir do momento em que uma experiência dolorosa primeva se gravasse no psiquismo, ao ocorrer uma situação semelhante, por mais parcial que fosse, os estados afetivos precipitados pela antiga experiência dolorosa seriam revividos como símbolos mnêmicos.

A resposta consensualmente confiável para esta e outras questões ainda está por vir, mas atualmente concorda-se que múltiplos fatores em diversas esferas contribuem, todos, para o desenvolvimento das síndromes de dor crônica, que as vias da dor são a sensação, a transmissão, a percepção e a reação, e que as medidas de sensibilidade são individuais, assim como todos os demais mecanismos de dor. Esta subjetividade que permeia tais mecanismos leva-nos a rejeitar a existência de uma verdade quanto à etiologia da dor, sua manutenção e a eficácia de seu tratamento.2

Antes mesmo da mudança de paradigma advinda no século XX, a filosofia kantiana do fim do século XVIII já havia distinguido o objeto em si (objeto "real"), que é inatingível, do objeto como ele aparece (objeto percebido e interpretado individualmente), este sim por cada um cognoscível.23 E a Psicanálise, por sua vez, advertiu ser possível que um desejo ou uma ameaça sejam tão fortemente experimentados a ponto de serem reconhecidos, pelo indivíduo, como fatos reais. Para o psicanalista contemporâneo Nasio,24 a dor resulta de uma dupla percepção: uma que é externa, somato-sensorial, voltada para captar a sensação dolorosa, e outra que é interna, somato-pulsional, voltada para captar o transtorno psíquico que se segue após a primeira.

Não se pode dizer o que é realidade absoluta, já que as diversas imagens (perceptivas, evocadas a partir de um passado real e evocadas a partir de planos para o futuro) são construções do cérebro, sendo reais para quem as têm. As imagens mentais seriam construções momentâneas, tentativas de réplica de padrões que já foram experienciados, e o que seria armazenado não seria a imagem em si, mas um meio de reconstruir um esboço dessa imagem.5

Ao fazermos um diagnóstico devemos nos lembrar que, sendo a essência do objeto de observação, o objeto em si, inatingível, não existe objeto natural, mas sim cultural, histórico e que as ciências que visam um saber sobre o homem originaram-se do desejo de exercer um saber-poder ligado à necessidade de vigilância e controle sócio-político, utilizando-se hoje do exame do mesmo modo como um dia a Inquisição utilizou-se da confissão.25

O profissional deve, pois, ficar atento aos próprios conteúdos internos, ao seu "jeito de ser", aos seus preconceitos e expectativas, e ao estado de humor que apresenta no momento do atendimento ao paciente, posto que também ele influencia, sem porém determinar, os caminhos da dor daqueles de quem cuida.2

4. COMUNICAÇÃO E MENSURAÇÃO DA DOR

A forma de comunicação da dor dependerá de fatores, tais como: idade do paciente, sexo, estrutura de personalidade, funções cognitivas, história pessoal, contexto sócio-familiar e de dor, estado afetivo e condições psico-orgânicas do momento. Acredita-se que a comunicação da dor dependerá ainda, diretamente, da qualidade do ouvinte,2 da disponibilidade real e sincera de escuta, da comunicação inequívoca, pelo ouvinte ao paciente, de sua determinação inarredável em dele cuidar.

Para medir a presença e a severidade da dor, é preciso considerar o auto-relato, as observações clássicas, e também outras variáveis como depressão, ansiedade, o significado da dor para o paciente, o seu suporte familiar e seus possíveis receios quanto a incomodar ou levar o seu médico a desistir do tratamento, pela fantasia de progressão de doença, caso seja confessado um aumento de sua dor.26

Como nenhum parâmetro isolado pode ser fidedigno, atualmente procura-se fazer uma mensuração combinada da dor do doente, considerando-se: o auto-relato; como o paciente percebe e comunica a sua dor; crenças, fantasias e expectativas (do paciente, de seus familiares e da equipe de tratamento) relacionadas à esta dor; a história pessoal; o contexto sócio - familiar; as alterações afetivas, sociais, familiares e comportamentais; o relato da família; o comportamento e a história de dor; a postura corporal; a mímica facial; os sinais fisiológicos; os marcadores biológicos; as escalas específicas e qualquer outra forma de expressão encontrada. Sabemos, ainda, que cada pessoa vai perceber, reagir e elaborar sua dor de forma particular e assim, o ser humano estará sempre surpreendendo, desafiando os saberes e reformulando novas teorias e técnicas.2

A Escala Análogo- Visual de Dor (EAV),27 que por suas limitações é muitas vezes pouco utilizada e/ou compreendida, é um importante instrumento na mensuração da dor crônica, pois ajuda o paciente a compreender melhor quando e quais fatores influenciam a sua percepção da dor, levando-o, ainda, a um maior comprometimento2 com as informações que fornece, uma vez que estas serão sempre parâmetros para a avaliação da adequação do tratamento. Muitas vezes encontra-se resistência do paciente a este método, sendo necessário que ele compreenda bem os objetivos e confie que a intenção do profissional é tratá-lo eficaz e continuamente e que este não desistirá de manter seu tratamento, no caso de significante melhora, nem ficará decepcionado e/ou aborrecido desistindo de tratá-lo, no caso de pouca ou nenhuma resposta. Para tornar-se uma linguagem confiável, a EAV deveria ser utilizada de forma consensual pela equipe, preferencialmente com as respostas da dor referida no momento da consulta e com as respostas da "dor em média" relatadas pelo paciente, sinalizando-se, em ambos os casos, as condições afetivas e de medicação.2

Vale ressaltar a necessidade de reorientação periódica a pacientes e/ou familiares sobre vários aspectos que envolvem o tratamento farmacológico, desde os efeitos colaterais, receios e preconceitos, às demais e inúmeras fantasias e dificuldades que levam ao uso irregular da medicação, comprometendo o sucesso do tratamento. Somente após algumas consultas psicológicas é que foi possível compreender o motivo pelo qual a medicação adequada não produzia o efeito esperado em P., um homem beirando os 40 anos. Segundo o paciente, o que demandava a necessidade que seu corpo tinha da medicação anti-álgica era o câncer que tinha. No seu modo de ver, se ingerisse os remédios que "ele" (o câncer) necessitava, só estaria fortalecendo o tumor, "alimentando-o". Sendo assim, não apenas recusava a medicação, como sentia-se vitorioso na luta diária contra o câncer, sendo a dor insuportável o preço que deveria pagar para tanto.

Observa-se que alguns pacientes, sobretudo as crianças, os adolescentes e os idosos, muitas vezes podem levar a erros de julgamento ocasionados por problemas na comunicação, justificados pelos motivos mais variados e já classicamente reconhecidos e descritos, como a supervalorização, a desvalorização e a negação da dor. Gostaríamos aqui de incluir o problema da omissão da dor. X., uma menina de sete anos, hospitalizada em estado bastante grave, aguardava a remota possibilidade clínica de ser elegível para iniciar tratamento quimioterápico. Seu comportamento era de total isolamento, cobrindo-se com o lençol de seu leito até à cabeça, em posição fetal, e reagindo agressivamente a qualquer tipo de aproximação feita, até pelos familiares. Recusava comida, banho, brinquedos, visita, e todo e qualquer procedimento médico e/ou de enfermagem de rotina, chorando e gritando de tal forma que por vezes impedia a realização dos mesmos. Quando por nós abordada, X. revelou que sentia "dor muito forte", e ao ser questionada quanto ao motivo pelo qual não havia comunicado a sua dor, ela respondeu, com raiva: "Eu já falei um monte de vezes e ninguém faz nada!" X. estava , sim , medicada, mas não a contento, e assim perdera a confiança em todos à sua volta, sentindo- se sozinha e desamparada, desistindo de solicitar ajuda. Uma vez psicologicamente acompanhada e tendo sua dor controlada, X. começou a reagir, a sorrir, e, "curiosamente", a melhorar a olhos vistos, adquirindo os sinais clínicos necessários para iniciar seu tratamento oncológico.2

Em estudo28 realizado para determinar se haveria diferença, nos pacientes oncológicos externos, entre a percepção que o paciente tinha de sua dor e a percepção que seus familiares tinham acerca de sua dor quanto à intensidade, duração, estado de humor e qualidade de vida, concluiu-se que os pacientes oncológicos que têm percepção de dor diferente da do seu familiar tendem a ter, dentre outros sintomas, mais distúrbios de humor, mais fadiga, e menos bem-estar psicológico e interpessoal. E seus familiares têm níveis de depressão e tensão aumentados, sendo que 30% sentiu incapacidade de lidar com a dor do paciente, enquanto 22% sentiu grande estresse devido ao sofrimento do paciente.28 Obviamente lembramos aqui que percepções incongruentes por parte da equipe também resultam em problemas no tratamento.

Na avaliação do paciente com dor crônica, deve-se, ainda, ficar atento tanto à co-morbidade quanto ao diagnóstico diferencial entre dor e outras síndromes de características predominantemente orgânicas e/ou psicológicas. Pesquisa com pacientes com dor crônica demostrou que o aumento da duração da dor favorecia a depressão, e que os pacientes deprimidos tinham aumento da percepção de dor, menos tolerância à dor e beneficiavam-se menos do tratamento.29

5. DOR EM PACIENTES ONCOLÓGICOS

A dor em câncer pode ser causada pela doença, à ela relacionada, resultante de procedimentos diagnósticos e/ou de tratamento, ou ainda causada por um transtorno concorrente. A prevalência de dor crônica é de 30 a 50% nos pacientes em tratamento oncológico para tumores sólidos, subindo para 70 a 90% naqueles com doença avançada no momento do diagnóstico.30

As neoplasias são, no Brasil, a 2ª causa de morte e o Instituto Nacional de Câncer - INCA/MS31 estimou que o ano de 2003 apresentaria 402.190 novos casos de câncer, doença que, como vimos, associa-se em algum momento à dor. Deste montante 267.980 incidiriam na região sudeste, onde está localizada a cidade do Rio de Janeiro, sede da Clínica de Dor do INCA, que é O INCA é uma das poucas instituições brasileiras a manterem um Centro Multidisciplinar de Dor nos moldes da IASP e portanto de referência nacional.

Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS,32 a dor é passível de controle em cerca de 90% dos pacientes. Entretanto, ainda nos dias de hoje, na maioria das unidades de saúde, falta conhecimento, habilidade e até interesse no manejo da dor e muitas vezes os esforços daqueles que empenham-se no tratamento adequado esbarram nos preconceitos de seus colegas e da população em geral, e em questões de cunho político, econômico e social.

Embora a incidência e a mortalidade por câncer continue a crescer, os países em desenvolvimento investem muito nos esforços curativos e pouco e inadequadamente nos cuidados paliativos, quando uma grande maioria já apresenta doença incurável à época do diagnóstico.33

O câncer por si só já implica na perda de energia, amigos, e saúde e a dor não aliviada gera ansiedade e sintomas depressivos, agravando tais perdas e prejudicando as funções cognitivas, as atividades diárias e sociais e o sono, que é interrompido pela dor em 58% dos pacientes.34

As intervenções não - farmacológicas, como as técnicas psicológicas, a acupuntura, a fisioterapia, a RXT e a cirurgia, dentre outras, embora muito importantes no tratamento do paciente com dor oncológica, são raramente indicadas e dificilmente disponibilizadas pelos centros de tratamento oncológico.35

Algumas dores crônicas são mais dificilmente controláveis, em determinado paciente, fazendo-se necessário que ele tenha que conviver com ela, em algum nível, e com as limitações por ela trazidas. Uma maior aceitação de sua dor leva o paciente a conhecê-la e controlá-la melhor, esforçando-se para ter uma vida satisfatória apesar dela. Isto implica em relatos de dor de intensidade mais baixa, menos ansiedade e sintomas depressivos e menos incapacidade física e psicossocial.36

A experiência de dor crônica é estressante tanto para o paciente quanto para seus familiares, amigos, cuidadores e também para a equipe que o trata. Uma vez que o sistema familiar funciona de acordo com padrões e regras próprios, quando um membro adoece toda a organização deste sistema é abalada, "adoecida", compelida a mudanças muitas vezes complicadas que podem ser difíceis de elaborar. A despeito da multiplicidade de modalidades de tratamento que um Centro Muldisciplinar de Dor possa oferecer, é o familiar, o cuidador, quem se responsabiliza, em grande parte dos casos, pela administração da medicação e pelo oferecimento de outras medidas que aliviam a dor, pelo transporte do paciente, inclusive para a realização do tratamento, pelo seu bem estar físico e psicológico. Cabe à equipe orientar os familiares/cuidadores do paciente, e se preciso tratá-los psicologicamente, formando uma aliança de mútua confiança e divisão de responsabilidades e buscando identificar e solucionar problemas por eles enfrentados e/ou criados.2

É preciso não apenas demandar, mas também viabilizar mudanças. A percepção e/ou a reação do adulto, e principalmente da criança e do adolescente, à sua dor, dependerá não somente de si mesmo e de sua família, como já foi visto, mas também do ambiente hospitalar, da rotina hospitalar e da equipe terapêutica. Pequenas modificações e grandes mudanças devem ser consideradas, em micro e macro escalas, para realmente tratar um indivíduo que tem dor.2

6. O TRATAMENTO DO DOENTE ONCOLÓGICO COM DOR

Considerando que sentir dor não é natural, ainda que compreensível, e que o paciente tem o direito de não sentir dor, devemos agrupar esforços no sentido de aliviar e controlar a sua dor, sabendo-a múltipla e dinâmica e adequando periodicamente o tratamento oferecido.2

Os pacientes com dor teriam seis necessidades universais: conforto, evitação das reações adversas, preservação das atividades funcionais diárias, prevenção da recaída, qualidade de vida satisfatória e confiança renovada , sendo seis os princípios do manejo de dor: respeito ao paciente e à dor, saber quando tratar a dor, tratar cedo e agressivamente a dor, tratar as causas subjacentes à dor, tratar os aspectos psicológicos da dor, e a abordagem multidisciplinar.37

O paciente oncológico pode apresentar também dor aguda, muitas vezes provocada por diagnóstico e/ou procedimento terapêutico, sendo importante a analgesia inclusive preventiva tanto desta quanto da dor crônica, procurando identificar e minimizar efeitos colaterais do tratamento em todos os aspectos (fisiológico, funcional, cognitivo, social, psicológico). Em caso de dor crônica, todas as demais terapias não farmacológicas são necessárias no esforço conjunto de atender, dentro do possível, às expectativas do paciente promovendo maior alívio, conforto e funcionalidade.2

Ao acolher e compreender a dor do paciente, o psicólogo da equipe o ajuda a identificar as influências da dor na sua vida e as influências internas e externas na manutenção da dor. Ao se trabalhar a identidade, a auto-imagem corporal, a auto-estima e a autonomia do paciente, amplia-se o foco levando-o a ver além da sua dor e da sua doença, facilitando a elaboração de seus novos limites e possibilidades através de ressignificações e redirecionamentos, sinalizando os seus recursos adaptativos internos e estimulando o fortalecimento de suas relações interpessoais, sociais, familiares e profissionais ou escolares.2

Como o indivíduo é singular, não se pode pretender que responda da mesma forma às intervenções externas, nem tão pouco que mantenha uniformemente suas respostas a longo prazo. Tratar um paciente requer não somente as considerações biológicas e psicológicas como também as familiares, sociais, econômicas e aquelas que estão nas relações estabelecidas entre os sistemas envolvidos: o indivíduo e seu universo e o sistema de saúde e de tratamento, com todas as suas múltiplas variáveis. Não basta tratar a dor, mas também o paciente e, além dele, os sistemas que com ele interagem.

Não se pode traçar aqui as várias dificuldades encontradas no empenho de um tratamento adequado, pois para isto deve-se abordar desde os preconceitos ainda existentes entre nós até a política governamental, mas é preciso atenção especial para a urgência de mudanças na avaliação da dor em crianças e idosos, que, por dificuldades de comunicação inerentes à idade ou a problemas subjacentes, têm sua dor muitas vezes confundida com "manha", "cansaço", "incômodo" ou "tristeza", deixando assim de receber tratamento e controle de sintomas devidos.2 Os adolescentes vivem, por sua vez, questões concernentes à esta peculiar fase do desenvolvimento humano, oscilando entre a súbita maturidade, a infantil dependência e a "rebeldia" na tentativa de diferenciação independência, podendo utilizar-se, perigosamente, de aspectos relativos à sua doença e/ou à sua dor como parte deste natural exercício de busca de identidade própria.2

Somente em dezembro de 1998 houve um consenso38 quanto ao manuseio da dor em crianças, preconizando também para elas o sério e adequado tratamento farmacológico e não farmacológico. Para tanto, é fundamental observar os familiares e cuidadores no trato com os doentes e ouvir suas considerações, mas o profissional deve ainda identificar suas próprias dificuldades e tentar superá-las. Perceber ou ter que aceitar que alguém, sobretudo uma criança, um jovem, ou um idoso sofre de profunda dor e espera por cuidados que são sabidamente limitados é difícil também para o profissional que, quando impotente, não consegue evitar seu próprio sofrimento. Por isto pode-se dizer que a dor do paciente oncológico não é somente dele, mas é sistêmica: é também de seu universo familiar, social , e de todos que dele cuidam e tratam. É o que podemos chamar de dor geral.2

Além dos cuidados que visam o alívio da dor e a promoção da ampla reabilitação do paciente oncológico, em todas esferas de sua vida, é preciso atenção aos cuidados paliativos, que devem começar desde o diagnóstico de doença avançada até a fase final de vida. O conceito de dor total foi cunhado em 1964 por Cicely Saunders para mostrar que a dor em câncer era física, emocional, social e espiritual, sendo posteriormente acrescentadas a dor interpessoal, a familiar e a financeira.39

Deve-se distinguir tratamento paliativo de cuidado paliativo. O paciente com dor e doença avançada, mas que ainda é elegível cirurgicamente e/ou para tratamento adjuvante, difere daquele ao qual só é possível oferecer algum tipo de conforto, mas nenhuma esperança de controle da doença. Parece-nos que o "paciente tratável" investe mais em sua "melhora", mas também é mais investido, tanto pela equipe quanto pelos familiares. Parece que o profissional "esquece" e ele "não acredita" no caráter paliativo do tratamento, que só ficará claro quando ele receber o "carimbo" de "fora de possibilidades terapêuticas atuais", o carimbo da desistência médica e/ou institucional em tentar reverter ou conter o avanço da doença, quando então cessarão os tratamentos, exceto os cuidados clínicos, os de enfermagem e aqueles oriundos de outras categorias profissionais. Este é um momento especialmente delicado para todos.

Congruentemente com este "paciente cuidável", geralmente desmotivado, que está em fase final de doença, a resistência da equipe, e a dos familiares, parece ir diminuindo. Provavelmente seja este um mecanismo natural de defesa, pois começa-se a elaborar a idéia da separação, pela morte, antes mesmo dela chegar. E isto ocorre de várias maneiras, desde o luto emocionadamente antecipado, quando o profissional lamenta o estado do doente referindo-se a ele como se já estivesse morto, até atitudes que à primeira vista poderiam sugerir certa frieza ou alienação. Quanto aos doentes, há os que preferem estar rodeados por parentes e amigos e os que optam pelo isolamento, pelo recolhimento paulatino da vida. É preciso haver compreensão e respeito pelas diferenças, deles e nossas, sem contudo esquecer que o paciente ainda, ou agora, sente dor, mesmo que muitas vezes já não consiga voluntariamente expressá-la. E sente angústia e medo. Assim como aqueles que o rodeiam. E, resguardadas as proporções, como todos nós.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para Freud9 dor, luto e ansiedade seriam reações à uma perda ou à uma ameaça de perda de um objeto de amor, ou ainda à perda do amor deste objeto. Nasio24 acrescenta que o objeto de amor pode ser a própria pessoa (auto - estima), ou partes do corpo, ou uma outra pessoa, isto não importa, pois a amputação brutal de qualquer desses objetos amados trará uma desarmonia psíquica traduzida por dor, não havendo distinção entre dor física e dor psíquica, posto que "a dor é um fenômeno misto que surge no limite entre corpo e psiqué".

Finalizando, parece ser importante pesquisar a amplitude de fatores que contribuem para a experiência da dor, e as influências que ela exerce na vida da pessoa e em todos à sua volta. A doença e/ou a dor já não são mais, isoladamente, o alvo do tratamento. Deve-se entrelaçar diversos saberes ampliando o foco de atenção e cuidados para além do paciente, a família que dele cuida e a equipe que dele trata.


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