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A MORTE, A BOA VONTADE E O DEVER *
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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Rodrigo Siqueira Batista
Columnista Experto de SIIC



Artículos publicados por Rodrigo Siqueira Batista 

Recepción del artículo: 1 de junio, 2001

Aprobación: 10 de agosto, 2001

Primera edición: 7 de junio, 2021

Segunda edición, ampliada y corregida 7 de junio, 2021

Conclusión breve
No presente artigo, colocam-se aspectos relevantes da postura médica diante do paciente com a morte em curso, priorizando-se a abordagem ética do problema, através da busca de interfaces com o pensamento moral do filósofo alemão Immanuel Kant. Espera-se, pois, que direções apontadas pelo exercício de reflexão aqui proposto possam nortear novas discussões, altamente necessárias para a abordagem crítica de tão crucial problema.

Resumen



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Especialidades
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A MORTE, A BOA VONTADE E O DEVER *

(especial para SIIC © Derechos reservados)

Artículo completo
À guisa de introdução. A prática médica se estrutura, muitas vezes sob uma perspectiva dialética, entre as «verdades» estabelecidas pela ciência e a «boa conduta» discutida pela ética. A despeito de todas as críticas - assaz fundamentadas - que possa merecer esta afirmação, boa parte dos médicos estabelece sua prática diária com base nesses pressupostos - desde as preleções de Hipócrates, digamos. Assim também, de um modo geral, o senso comum o espera. Pretende-se, pois, que o exercício de Medicina transcorra sobre um alicerce ético subjacente, com grandes implicações na sociedade contemporânea, pela particularidade de se lidar agudamente com a dor e o sofrimento humanos, com a responsabilidade pela vida e pela morte de outrem. Nesse contexto, o problema representado pelo processo de morrer emerge com grande força no dia a dia do médico, evocando a responsabilidade das condutas a serem tomadas em cada momento, diante do enfermo que está morrendo. Ato contínuo, as questões relacionadas a forma de intervir - ou abster-se de agir - devem ser repassadas em um processo contínuo de reavaliação e revalidação, merecendo tal problema análise detalhada com a busca de novos paradigmas que melhor norteiem as ações - bem como as vindouras discussões - concorrendo para uma prática médica mais ética e mais eqüânime.Tratando-se pois de uma questão central na realidade médica, a morte e o processo de morrer evocam perspectivas de discussão em diferentes âmbitos, ressaltando-se a importância e pertinência da fundamentação ética para a melhor atuação profissional. O mito já nos esclarece se, por exemplo, nos reportamos à estória de Asclépio, o deus grego filho de Apolo, que no seu aprendizado com o centauro Quíron, teria adquirido a habilidade de ressuscitar os mortos (1):«Na verdade, ele (Asclépio) recebera de Atena o sangue que escorrera das veias da Górgona; enquanto as veias do lado esquerdo tinham espalhado um veneno violento, o sangue do lado direito era benéfico e Asclépio sabia utilizá-lo para dar vida aos mortos. O número de pessoas que ele ressuscitou desse modo é considerável. Entre elas conta-se Licurgo, Glauco (filho de Minos)e Hipólito (filho de Teseu).»É deveras interessante notar pela análise da Mitologia, o já implícito desejo de vencer a morte, muitas vezes tão inerente à postura médica, mesmo nos dias de hoje.. Qual dos doutores que lêem esse manuscrito nunca se sentiu indisposto e/ou impregnado pela impotência, ao vivenciar o desfecho fatal de um paciente por si assistido Isso pontua, em inicial medida, os vários senões que permanecem em aberto, gerando um manancial de ponderações bem inseridas no contexto de discussão, realidade factível pela importância do processo de morrer e do seu desfecho na totalidade da vida humana. Propõe-se no presente trabalho, partindo-se dessas premissas, a discussão de pressupostos éticos no processo de morrer, a partir da análise dos conceitos de boa vontade e de agir por dever, desenvolvidos na Fundamentação da Metafísica dos Costumes de Immanuel Kant. Procurar-se-á, ao longo do texto, estabelecer um elo de discussão de como agir eticamente em termos médicos na presença de um paciente terminal com a morte em curso, à luz da ética kantiana, a partir da análise da situação limítrofe representada pelo processo de morrer (2). A morte e o processo morrer na medicina.A medicina é uma atividade que coloca o homem diante de seus mais íntimos conflitos, seus mais contundentes limites. Em poucas profissões o indivíduo encontra-se tão incisivamente sujeito a todo o tipo de pressões e ao desgaste profissional, como na prática médica (3). A peculiar face de agir, na maior parte das vezes, nas condições em que pulula a dor - em um contexto dialético do processo saúde-doença -, faz do médico um profissional permanentemente confrontado com as questões éticas elicitadas pelo sofrimento, em suas mais diferentes facetas (4). Essa inserção na profundidade das íntimas relações entre a atividade médica e o adoecer, instaura no ato profissional um alto grau de responsabilidade, que se traduz pela infrene necessidade de colocar-se no âmago de uma intrínseca atitude moral, de forma a maximizar e otimizar os laços médico-paciente, pressuposto indiscutível para o alcance dos melhores resultados esperados. É assim pois no diagnóstico de uma grave enfermidade, na exposição a um paciente dos riscos da cirurgia a que será submetido, nas hórridas complicações advindas de um tratamento agressivo, todas situações nas quais os profissionais envolvidos experimentam, de uma forma geral, um manancial de sentimentos negativos, que têm sua gênese em uma rede de processos que se interpenetram, em uma perspectiva multifatorial (5). Entrementes, sem sombra de dúvida, a densa noção de responsabilidade pela existência do paciente e a permanente necessidade de decidir sobre a vida e a morte são os elementos chaves dessa malha interconectada da angústia profissional na relação médico-paciente. Situação similar também pode ser vivenciada no ato de se lidar com os instantes considerados de maior crise, nos momentos mais críticos da vida humana, o nascer e o morrer. O processo de nascimento, desaguando na emergência de uma nova vida - fato, a priori, capaz de por si só elicitar ilibada alegria -, permeia-se eventualmente das angústias inerentes a complicadores da gestação e do parto, muitas vezes evocando a responsabilidade médica de interrupção da gravidez - como por exemplo no risco iminente e irreversível da vida materna. Indubitavelmente, os profissionais médicos que já experimentaram este dissabor, seguramente refletiram sobre ele, sendo inclusive facultado ao médico a opção pela não execução de tal ato - o abortamento -, de acordo com o artigo 28 do Código de Ética Médica (6), mesmo que seja, o procedimento, amparado por lei. Isto mostra a amplitude da problemática implícita no nascer, à luz da atividade médica, seus preceitos legais e éticos. Vida e morte são apreendidas como instâncias dialéticas de um mesmo processo, ou como no dizer de Jaspers (7)«considerando que tanto como existência quanto como consciência que temos desta própria existência, nós somos como existência a morte».Nessa perspectiva, morrer é o outro ponto culminante e crítico da existência humana, habitualmente relacionado, em nossa sociedade ocidental, à tristeza e ao sofrimento. Falecer significa se despedir, deixar de fazer parte deste único mundo que conhecemos, afastar-se do convívio de pessoas queridas. Morrer causa temor. É o desconhecido que está por vir. Ademais, a morte está geralmente relacionada, em nosso universo conceitual, ao sofrimento de uma doença grave e mitigante - desfecho nefasto desse processo - ou à crueza de um acidente ou outra causa violenta de fenecer, que ceifa a vida nos melhores dias. Em ambas as situações, a supressão do bem maior da vida, tanto de forma insidiosa, quanto de forma abrupta, possibilita a adoção de uma postura reflexiva, com revisão de conceitos e paradigmas daqueles que experimentam a proximidade da morte - quer familiares, quer profissionais.Esta morte anunciada - lenta e sofrida -, como a vivida por doentes terminais dos mais diferentes tipos de cânceres ou da AIDS, nos remete às discussões pertinentes não somente a morte em si, mas a toda a problemática do sofrimento para o moribundo - o processo de morrer. Subserviente à máxima médica de consolar sempre, um enfermo que se encontra na mais absoluta condição de penúria, já com a sua sorte selada pela doença - eventualmente com semanas ou dias de vida - deve estimular no profissional médico o esforço de condução com mínimo de padecimento, em condições dignas, até o desfecho. Aqui pois um dos problemas a serem enfrentados: a moderna tecnologia de suporte das funções vitais - amplamente embasada no progresso científico da Medicina - vem colocando em xeque os profissionais envolvidos na assistência dos doentes ditos terminais, pela ocorrência cada vez mais freqüente de situações limítrofes nas quais não é possível estabelecer com precisão e acurácia os limites entre o viver e o morrer, entre estar vivo ou morto (8). Nesse sentido, razoáveis conjecturas sobre esta transição são apresentadas no trabalho de Kastenbaun (9), que discrimina vários estratos no processo de morrer:(a) a morte começa no momento em que se reconhece uma situação em que há ameaça a manutenção da vida, ou seja, quando médico e/ou paciente acumulam dados que sugiram essa nova realidade - caracterizando uma inserção no processo de morrer;(b) a morte se inicia quando os fatos são frontalmente comunicados, cabendo distinguir-se a não interposição temporal da realidade para o médico - emissão do prognóstico - e para o paciente - momento da informação;(c) a morte se inicia quando da tomada de consciência por parte daquele que morre, após decorrido o tempo entre a notícia e a assimilação do novo status quo;(d) a morte apenas se inicia quando o fluxo biológico tornar-se inviável, ou seja, no momento em que o dano orgânico é irreparável a ponto de nada mais poder ser feito para a manutenção da vida.As três primeiras colocações são de insuspeitada grandeza em termos da otimização da relação médico-paciente. Sem embargo, no que se refere ao último conceito, ainda é da maior dificuldade se estabelecer o momento em que o processo de morrer se inicia, se ele, uma vez iniciado é passível de retorno e, se o é, em que ponto emerge a irreversibilidade. Mais propriamente sobre este clímax, a morte, sob a perspectiva de discussão de um doente grave e incurável, cabe o questionamento do que é ético em relação a este paciente, em termos de investimentos na manutenção da vida e de decisão terapêutica, capaz ou não de abreviá-la. Pondo sob outro prisma a questão, assim pois teríamos: É lícito investir na perpertuação da vida, neste grupo de pacientes, até o fim, digladiando com a morte até suas últimas conseqüências, mesmo quando a medicina, em tese, esgotou todos os seus recursosÉ ético manter o paciente vivo, lançando mão de toda a tecnologia e ciência, obtendo a cada momento uma nova «vitória» sobre a morte, a despeito de todo o sofrimento que isto pode lançarÉ sempre primaz que se vá às últimas conseqüências, aventando sempre a possibilidade de reversão do quadro, uma vez que é sempre válido lutar-se pela vidaA postura e atuação do médico nesses derradeiros momentos da existência - como vimos, de difícil discernimento em termos de desenrolar do binômio morte-vida -, pode ser categorizada em diferentes ações (8,10):* estabelecimento de medidas anti-eutanásicas (tratamento vigoroso do enfermo, com o uso de todos os recursos disponíveis);* eutanásia passiva (declinar de instituição de tratamento ou suspensão de métodos ou medicamentos que estejam mantendo a vida);* eutanásia ativa (fornecer ou aplicar ao paciente medidas que culminem com a morte) - cabe ressaltar que nossa legislação vigente veda ao médico a prática de qualquer forma de abreviação da vida, entendida enquanto eutanásia ativa (Código de Ética Médica, artigo 66) (6). Todas estas questões podem ser colocadas e discutidas sob diferentes perspectivas éticas, cabendo ao pensamento de Kant um importante papel, pela possibilidade de composição com base em dois conceitos de extrema importância: a boa vontade e o agir por dever (11).A boa vontade e o dever no pensamento kantiano.Sob o termo ética fluem um grande número de conceitos e paradigmas, heterogêneos em seus meandros, possibilitando a discussão em distintos âmbitos das relações humanas (12). A fundamentação dos liames destas relações podem ser, grosso modo, colocados sob duas formas de composição: uma que prima pela finalidade, a causa última para a qual deveríamos nortear nossas ações, o bem-estar humano - a felicidade -, tendo como primaz representante a ética aristotélica (13); por outro lado, a outra trata dos preceitos de composição das interconexões humanas que priorizam a pertinência interna das relações, a agudeza moral das ações, independente da finalidade, do resultado último, norteando a discussão em termos do como se pode determinar o que é intrinsecamente correto, o que é inquestionavelmente ético em um dado assunto. Esta colocação tem como baluarte o pensamento de Immanuel Kant, que a organizou em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes, alicerçando a ética do dever. No prefácio da Fundamentação, propõe o trabalho de (14) «fixação do princípio supremo de moralidade, o que constitui por si só no seu propósito uma tarefa completa e bem distinta de qualquer outra investigação moral», o que necessariamente deveria passar pela depuração dos elementos empíricos, para o alcance do ensino a priori da razão pura. O objetivo do trabalho não seria a construção de uma nova moral, mas tão somente atingir, através de detida análise conceitual, este princípio supremo da moralidade presente em toda a consciência humana. O ponto de partida para a análise kantiana é o conceito de boa vontade, o sustentáculo último para o alcance de uma vida virtuosa, afirmando Kant cabalmente que aquela é o pressuposto, a característica primeva para que algo possa ser considerado necessariamente bom (14):«Não é possível conceber coisa alguma no mundo, ou mesmo fora do mundo, que sem restrição possa ser considerada boa, a não ser uma só: uma boa vontade.»A boa vontade emerge da influência exercida pela razão, enquanto faculdade prática, na própria vontade, produzindo uma vontade boa em si mesma. No dizer do próprio Kant, na Fundamentação (14) «esta vontade não será na verdade o único bem nem o bem total, mas terá de ser contudo o bem supremo e a condição de tudo o mais, mesmo de toda a aspiração da felicidade». «Mesmo quando, por singular adversidade do destino ou por avara dotação de uma natureza madrasta, essa vontade fosse completamente desprovida do poder de levar a bom termo seus propósitos; admitindo até que seus esforços mais tenazes permanecessem estéreis; na hipótese mesmo de que nada mais restasse do que só a boa vontade (entendendo por esta não um mero desejo, mas o apelo a todos os meios que estão ao nosso alcance), ela nem por isso deixaria de refugir como alguma coisa que em si possui valor.»À boa vontade imprime-se a necessidade de ser despida de qualquer intenção ulterior, já presente no bom natural e «que mais precisa de ser esclarecido do que ensinado» - de um certo modo, todo o homem sabe, em si mesmo, o que significa um ato genuinamente bom. A boa vontade é, posto isso, elemento crucial para a atitude moral; muitas características aparentemente boas, quando destituídas dessa boa vontade que deveria ser subjacente, podem tomar proporções nefastas, com conseqüências sombrias (14):«Com efeito, sem os princípios de uma boa vontade, podem elas (qualidades aparentemente boas) tornar-se muitíssimo más, e o sangue frio de um facínora não só o torna muito mais perigoso como o faz também imediatamente mais abominável ainda a nossos olhos do que julgaríamos sem isso.»Esta boa vontade - boa em si mesma - encontra o seu valor absoluto na sua principal premissa, uma vontade de agir por dever.Tratando do conteúdo moral das diferentes ações, Kant desenvolve os fundamentos desta atuação por dever, desvinculada de toda e qualquer forma de inclinação, característica primaz de um ato genuinamente moral. A não existência de uma inclinação, de um estímulo desencadeante, é a premissa de uma ação por dever, enquanto naqueles casos em que, por qualquer motivo, hajam vínculos com interesses outros, a ação deixa de ser por dever para constituir-se em uma atuação conforme o dever. Por exemplo, fazer o bem não é necessariamente um ato moral quando instituído de qualquer tipo de inclinação mas tão somente quando nada há mais que o justifique, mas tão somente o dever (14): «Passo aqui em silêncio todas as ações geralmente havidas por contrárias ao dever, se bem que, deste ou daquele ponto de vista, possam ser úteis, pois nelas não se põe a questão de saber se podem ser praticadas por dever, uma vez que estão em contradição com ele. Deixo também de lado as ações que são realmente conformes com o dever, para as quais no entanto os homens não sentem inclinação imediata, mas que apesar disso executam sob o impulso de outra tendência; porque, em tal caso, é fácil distinguir se a ação conforme com o dever foi realizada por dever ou por cálculo interesseiro. Muito mais difícil é notar esta distinção, quando, sendo a ação conforme com o dever, o sujeito sente para com ela uma inclinação imediata.»Agir por dever, outrossim, constitui-se em uma consistente postura ética, prescindindo-se para isto de seus próprios pressupostos, inclinações, objetivos e finalidades, dado que o dever contém em si o conceito de boa vontade, da preclara índole que deve nortear as ações humanas. A ação por dever alberga o valor moral, não pelo propósito último de sua realização, mas sim pela máxima que a determina, por uma íntima necessidade de ação por respeito à lei (14):«Para o objeto concebido como efeito da ação que me proponho, posso, sem dúvida, sentir inclinação, nunca porém respeito, precisamente porque ele é simplesmente efeito, e não a atividade de uma vontade. Do mesmo modo, não posso ter respeito a uma inclinação em geral, seja ela minha ou de outrem; quando muito, posso aprová-la no primeiro caso, no segundo caso talvez até amá-la, isto é, considerá-la como favorável ao meu interesse. Só o que está ligado à minha vontade unicamente como princípio, e nunca como efeito, o que não serve a minha inclinação mas a domina, e ao menos a exclui totalmente na avaliação no ato de decidir, por conseguinte a simples lei por si mesma é que pode ser objeto de respeito e, portanto, ordem para mim. Ora, se uma ação cumprida por dever elimina completamente a influência da inclinação e, com ela, todo o objeto da vontade, nada resta capaz de determinar a mesma vontade, a não ser objetivamente a lei e subjetivamente um puro respeito a essa lei prática, portanto a máxima de obedecer a essa lei, embora com dano de todas as minhas inclinações.»Desse modo, compreende-se que a ação moral, no pensamento kantiano, prescinde não só do princípio, mas também de qualquer finalidade, dependendo de forma inconteste do respeito pela máxima que a instaura. É mister que esta máxima, para ter valor inquestionável em termos morais, deva ser conversível a uma lei universal, a qual terá de ser válida tanto para aquele que age, quanto para a atuação de qualquer outrem (14):«Ficaria eu satisfeito se minha máxima (tirar-me de uma dificuldade por meio de uma promessa enganadora) devesse valer como lei universal (tanto para mim como para os outros)»Esta é a pregunta que deve ser feita a si mesmo, como forma de se avaliar se uma determinada máxima pode ser erigida a qualidade de lei capaz de guiar a atuação humana. Nesse momento, estabelece-se uma inquestionável atitude moral, constituída em uma solidez ética que desafia a toda a prova. Esta breve análise demonstra os dois mais importantes conceitos da ética de Immanuel Kant, a boa vontade e o dever. A possibilidade de aplicação de ambos ao problema apresentado na primeira parte deste manuscrito é deveras sedutora, de modo que linhas gerais para essa interconexão são comentadas a seguir.Eis a questão...Confrontando a problemática do processo de morrer, no âmago da prática médica, com esta sumária introdução ao pensamento moral kantiano, fomentam-se possibilidades inesgotáveis de análise dos conteúdos da atuação do médico, frente aos pacientes gravemente enfermos «rotulados» como terminais. Sem que se discutam os critérios para se classificar um paciente como terminal ou não - esta não é a pertinência aqui vigente -, a conduta médica de intervir ou não no processo de morte de um determinado paciente e, no caso de intervenção, de que forma fazê-la, merece análise detida, por uma série de implicações éticas, médicas, legais e epistemológicas, inerentes à situação. Como perguntas - filosóficas - surgidas desse confrontamento - o processo de morrer e a ética de Kant -, teríamos:* Pode-se instaurar e formalizar uma ética para a atuação médica no processo de morrer partindo-se dos conceitos kantianos de boa vontade e dever* Como delimitar a amplitude da boa vontade em Kant no que se refere à assistência ao doente com a morte em curso* É possível se determinar um forma de agir por dever nessa situação Estas questões merecem atenta reflexão pelas possibilidades que em si encerram. A discussão deste problema real - e muitas vezes dramático -, de difícil solução para os que estão inseridos no contexto - à beira de um leito de morte - pode abrir novas perspectivas capazes de gerar paradigmas necessários a melhor abordagem, tanto para os pacientes - a via final de todos os esforços - quanto para os profissionais, mitigados muitas vezes pela impotência ou pela contumaz indecisão sobre o melhor - e mais ético - a se fazer.Um epílogo...Ao longo deste manuscrito, partiu-se de um contexto primordial no âmbito da prática médica - a morte e o processo de morrer -, com sérias implicações profissionais e humanas, analisando-se seus pontos fundamentais, com enfoque na abordagem ética dos problemas evocados. Ato contínuo, foram apresentados conceitos gerais da primeira seção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, com colocações relativas à boa vontade e ao agir por dever - alicerces da ética kantiana -, proporcionando uma interface para as ponderações éticas acerca das posturas a serem assumidas diante de um paciente para o qual a morte é iminente (15). Desse modo, foi possível o surgimento de questões da mais alta relevância que, em um momento posterior, deverão ter seu nível de discussão aprofundado, desvendando amplas possibilidades de conceituação, com indiscutível enriquecimento da formação ética dos profissionais envolvidos no atendimento de enfermos com a morte em curso... em uma instigante atitude de rever, em nosso mais íntimo foro, o arquétipo de um Asclépio que subsiste em todos nós...* Este artigo é dedicado ao nosso querido amigo Prof. Sávio Silva Santos, paradigma de respeito à vida humana - enquanto médico e enquanto homem -, e à memória do Ernesto Che Guevara, modelo para o novo homem. Referências bibliográficas1. GRIMAL, P. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. 3a edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. 2. SIQUEIRA-BATISTA, R. «O médico diante da morte: perspectiva de discussão ética com base na filosofia de Immanuel Kant». Rev FMT 2001; 3(1): 25-32. 3. SELINGMANN SILVA, E. Desgaste mental no trabalho dominado. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1994.4. MACHADO, MH. Os Médicos no Brasil. Um Retrato da Realidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1997.5. PALACIOS, MP. Trabalho hospitalar e saúde mental: o caso de um hospital geral e público do município do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, UERJ, 1993.6. CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA. Diário Oficial da União, 26 de janeiro de 1983. Páginas 1574-1577.7. JASPERS, K. Filosofia da Existência. Rio de Janeiro: Imago, 1973.8. BARRÊTTO, FJT. «A morte e o morrer. A assistência ao doente terminal». In: Mello Filho J. Psicossomática Hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.9. KASTENBAUN, RJ. Death, society and human experience. 2nd edition. St. Louis: Mosby, 1981.10. BRODY, H. Ethical Discussions in Medicine. Boston: Little Brown, 1976.11. PASCAL, G. O Pensamento de Kant. 5a edição. Petrópolis: Vozes, 1996.12. SIQUEIRA-BATISTA, R. «Bioética e Saúde pública». 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