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EDUCAÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA BIOMÉDICA
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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Autor:
Virgínia Torres Schall
Columnista Experto de SIIC



Artículos publicados por Virgínia Torres Schall 

Recepción del artículo: 7 de marzo, 2002

Aprobación: 10 de abril, 2002

Primera edición: 7 de junio, 2021

Segunda edición, ampliada y corregida 7 de junio, 2021

Conclusión breve
O artigo focaliza dois aspectos fundamentais: a importância da divulgação científica como método de ampliação da compressão do processo e do progresso da ciência, e a importância de estimular a vocação científica entre os mais jovens. Também enfatiza a importância que tem a divulgação científica como compromisso social.

Resumen



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Especialidades
Principal: Medicina Interna
Relacionadas: Salud Pública

EDUCAÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA BIOMÉDICA

(especial para SIIC © Derechos reservados)

Artículo completo
RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar as principais idéias discutidas na mesa redonda «Bases educacionais para a pesquisa biomédica», realizada durante o Simpósio Internacional sobre a Pesquisa Biomédica no Século XXI, evento comemorativo do centenário do Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Brasil. Dois aspectos são focalizados no artigo: (1) a importância da divulgação científica para ampliar a compreensão do processo e do progresso da ciência, estimular a reflexão crítica e o compromisso social, sobretudo na área biomédica, considerando o acelerado avanço do conhecimento e do desenvolvimento tecnológico respectivo; (2) a importância de estimular a vocação científica entre os jovens, dando a eles oportunidades de vivenciar o ambiente acadêmico e os laboratórios científicos, através da convivência com mestres bem preparados em uma atmosfera humanística. O texto parte de uma perspectiva histórica, focalizando os avanços das ciências cognitivas, as teorias educacionais, os fatores históricos e sociais que interferem no processo educativo, as práticas pedagógicas, a influência dos sistemas formais e não formais de ensino, a formação de professores, e a própria evolução do conhecimento das ciências da vida e de suas aplicações práticas, que envolvem decisões morais, sendo hoje prioritária a consideração da ética. Palavras-chave: educação científica, educação biomédica, vocação científica, ciência e sociedade, educação em saúde. ABSTRACT

This paper presents the main subjects discussed in the round-table: «Educational Bases for Biomedical Research», during the International Symposium on Biomedical Research in the XXI Century at Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brazil. Two main aspects are focussed: (1) the importance of popularizing science in order to stimulate comprehension of the scientific process and scientific progress, encouragement of critical thinking, and social commitment, mainly in the biomedical area, considering the new advances of knowledge and the resulting technology; (2) the importance of stimulating genuine scientific vocation among young people, by giving them opportunity to experience a scientific environment, in the hands of well prepared teachers in a humanistic atmosphere. Before focusing the educational process in the biomedical area, the article presents a historical perspective to define education, which implies understanding of the following issues: the progress of the cognitive sciences, the educational theories, the historical and social factors that interfere in the educational process, the pedagogic practices, the influence of formal and informal teaching systems, teachers’ formation, the evolution of the knowledge of life sciences and its practical applications, which involve moral decision and require an ethical commitment which is, today, a priority. Key words: science education, biomedical education, scientific formation, health education, science and society. INTRODUÇÃO

Antes de focalizar o processo educacional na área biomédica faz-se necessário abordar a educação propriamente dita, a qual implica em compreender os avanços das ciências cognitivas, as teorias educacionais, os fatores históricos e sociais que interferem no processo educativo, as práticas pedagógicas, a influência dos sistemas formais e não formais de ensino, a formação de professores, e a própria evolução do conhecimento das ciências da vida e de suas aplicações práticas, que envolvem decisões morais, sendo hoje prioritária a consideração da ética.Em relação às ciências cognitivas, os avanços nas últimas décadas são consideráveis, advindas sobretudo da psicologia cognitiva e das neurociências, cada qual com seus próprios modelos aplicáveis aos problemas que são centrais à filosofia da ciência e à educação para a ciência. A interpretação dos processos cognitivos pelas neurociências progrediu muito, possibilitando a identificação de mecanismos celulares e moleculares da aprendizagem (Bliss & Lomo, 1973; Dudeck & Bear, 1992), a importância da emoção nos processos racionais de tomadas de decisão (Damasio, 1994), o papel da experiência sensorial no desenvolvimento cerebral, os diversos tipos de memória, e estudos em curso têm descoberto correlatos neuronais da percepção e atenção, como aponta Herculano-Houzel, (2000).A psicologia cognitiva, por sua vez, observa e investiga o processo de mudança de conceitos, ou seja, o modo como alguém classifica alguma coisa, ou como um conceito pode evoluir para outro significado através da aprendizagem (Giere, 1992). O termo mudança conceitual pressupõe o resultado e o processo envolvido na mudança. Há ainda questões anteriores, sobre a existência ou não de conceitos inatos, a formação de conceitos espontâneos pelas crianças, a mudança de conceitos por enriquecimento e a transformação de um conceito em outro incomensuravelmente diferente do original, como discute Carey (1992).Enquanto as ciências cognitivas buscam decodificar os processos de aprendizagem, as teorias da educação constroem explanações sobre o ato de educar, as quais podem se fundamentar em bases biológicas, psicológicas ou sociais, ou mais recentemente sob enfoques multi ou transdisciplinares, bio-psico-sociais. Apesar de, ao longo dos últimos séculos, terem sido propostas diversas teorias da educação, as pesquisas nesta área são raras, como demonstra de Meis (1998), apresentando os baixos índices de publicação do ISI sobre o tema (pág.62), embora ponderando que este não é o melhor indicador, já que as áreas das ciências sociais e humanas estejam mais presentes em livros e outras publicações não indexadas pelo mesmo. Além disso, de Meis refere-se ao fato de que o ensino é tratado como atividade de rotina nas universidades, dissociado da pesquisa e o desenvolvimento e experimentação de novas pedagogias fica restrito às Faculdades de Educação. O QUE É EDUCAR E PARA QUE SERVE A EDUCAÇÃO

Considerando a área biomédica, e o papel da educação em saúde não apenas para os profissionais mas também para a população, destaca-se o recente trabalho de Humberto Maturana (1998), no qual ele se pergunta: o que é educar e para que serve a educação Em seu sistema de pensamento explicita o ato de educar como um processo e um espaço de convivência, onde aqueles que convivem vão se transformando espontaneamente, de modo que tornam o seu modo de viver mais congruente. Ao se perguntar pra que serve a educação, esclarece que servir é um conceito relacional, por exemplo, serve para algo em relação a um desejo, já que nada serve em si mesmo. Assim, conclui que a questão verdadeira é: o que queremos da educação E passa ao terreno do político, requerendo uma reflexão sobre o viver cotidiano no projeto de país onde estão inseridas as reflexões sobre a educação. Assim pensando, o projeto educacional de cada época e lugar pode diferir em seus objetivos de acordo com a ideologia e o modo diverso de cumprir com a responsabilidade social. O próprio Maturana , considerando o Chile do seu tempo de professor, coloca que a educação tinha o compromisso de «realizar a tarefa fundamental de acabar com a pobreza, com o sofrimento, com as desigualdades e os abusos» (pág. 12).Fundamentado em Maturana, Vaz (1999) nos conduz a outros questionamentos, ao lançar um olhar biológico sobre o ensino e a saúde. Parte da afirmativa de que os seres vivos são determinados por sua estrutura e assim, a aprendizagem não decorre de alguma forma de ensino, mas da própria estrutura dos seres vivos. Desta perspectiva, afirma que não há ensino, mas convivência, sendo a aprendizagem inevitável. Tudo se dá num espaço de interações e convivência e o professor é aquele que assume a responsabilidade de criar um espaço de convivência e a relação com os alunos é um domínio de aceitação recíproca, que proporciona mudarem juntos. Este ponto de vista é reforçado por Paulo Freire, para quem «o homem deve ser o sujeito de sua própria educação». Não pode ser objeto dela. Por isso, «ninguém educa ninguém», pois, não há educação imposta; para que esta se processe é preciso haver um movimento interno de desejo próprio. Só assim a comunicação se estabelece e o intercâmbio de conhecimento e valores se realiza, num processo dialógico, onde educador e educando constroem juntos o saber. Para o educador Freire, a educação nas sociedades latino-americanas ainda é vertical e muitas vezes também o é nas práticas de saúde. A mentalidade ainda favorece o professor/profissional como um ser superior que educa/ensina o ignorante. Para ele, isto forma uma «consciência bancária» na educação. O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador ou profissional. «Educa-se para arquivar o que se deposita» desta forma, perde-se o seu poder de criar e compartilhar. «O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo o sujeito de sua ação» (Freire, 1979). Tal idéia vem de encontro ao pensamento de Vygotsky (1991,1993), quanto à natureza da aprendizagem, de que o conhecimento é construído em um contexto social, no qual cada indivíduo é significativamente afetado pelas ações e idéias do outro. Assim, como sugere Poplin (1988), os educadores que compartilham de uma atitude construtivista holística, tendem a enfatizar, mais do que o conteúdo, embora sem desmerecê-lo, o papel do afeto, intuição e as forças sociopolíticas na aprendizagem, estando mais atentos ao interesse pessoal, auto-conceito e confiança do aluno, encorajando-os dentro do contexto de suas próprias experiências. Tais educadores são também aprendizes, aprendendo com seus alunos, respeitando a capacidade própria de cada um para aprender. Reconhecem que os alunos aprenderão o que for significativo para eles.A intermediação de saberes e o espaço de convivência estabelecem marcos no campo da educação como uma filosofia sobre o processo de construção do conhecimento. Promovem ainda, um re-exame do papel da educação em uma dada sociedade. Considerando a educação como um esforço, para auxiliar o aprendiz a construir um conhecimento que o torne capaz de participar construtivamente na sociedade e obter satisfação pessoal e auto-realização, dependerá da natureza de cada sociedade, de seus problemas e forma de organização, o encaminhamento da tarefa educacional. Assim, os currículos deverão ser estruturados no sentido de atender a uma dupla demanda: da sociedade e o desejo de auto-realização do indivíduo, os quais nem sempre coincidem, como alerta Guattari (1990), principalmente na atual sociedade capitalista ocidental. Tanto em relação às matérias curriculares, quanto especificamente à área biomédica, o currículo deve orientar-se para assuntos que tornem o aluno capaz de compreender o mundo, e que sejam significativos para a sua vida. O ensino deve orientar-se pela «descoberta», pelo «insight», estimulando a curiosidade, a reflexão e a troca de saberes entre os pares, aumentando a possibilidade do aluno de auto-realização e comprometimento social.Além disso, destaca-se o professor que estimula o trabalho em grupo desde a mais tenra idade, valorizando a interação entre os pares, como sugerem Forman & Cazden (1987), ao demonstrar as vantagens desse relacionamento para o processo de internalização e desenvolvimento cognitivo, dentro da perspectiva Vygotskiana. O trabalho conjunto entre alunos favorece o desenvolvimento da cooperação e da responsabilidade, como demonstrado por Piaget (1978, 1993). Outro aspecto a ser considerado é a importância do saber popular e de questionar a atitude de autoritarismo sustentada na concepção de mestres que se colocam na posição de tudo saber e no preconceito em relação ao aluno, considerado como não sabendo nada. Assim, Aída Bezerra e Pedro Benjamim Garcia (1986), apresentam críticas ao autoritarismo que se concretiza nas práticas orientadas para «fazer a cabeça» dos outros, evidenciando a importância de se considerar o saber popular nas situações educativas. Ausubel explicita esta situação, enfatizando a importância dos conceitos prévios dos aprendizes, fundamental como ponto de partida para trabalhar os conceitos científicos. A teoria de Ausubel tem como idéia central «a de que o fator isolado mais importante influenciando a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já sabe» (Moreira,1982). Através do armazenamento de informações no cérebro humano, são formados hierarquias conceituais, onde elementos mais específicos de conhecimento ligam-se a conceitos mais gerais. FATORES HISTÓRICOS E SOCIAIS RELATIVOS AO PROCESSO EDUCATIVO

Uma ampla e recente análise de fatores históricos e sociais que interferem no processo educativo, considerando a educação para a ciência, é apresentada por Leopoldo de Meis (1998), o qual aponta como um dos problemas a superespecialização e excesso de informações, que tem por conseqüência a co-existência em uma mesma comunidade de pessoas com idades culturais distintas. Além disso, de Meis ressalta que o excesso de informações transforma a arte de ensinar na arte de reduzir, condensar e simplificar – esta simplificação pode gerar erros conceituais graves – o professor explica corretamente e o aluno pode absorver e registrar incorretamente.Esta superespecializaçãoão é discutida por Chaves (2000), ao tratar do desenvolvimento da ciência e do processo educativo em nossa sociedade, ressaltando três fatores envolvidos: 1. a fragmentação da ciência; 2. o distanciamento entre os aspectos cognitivos e os afetivos no ensino escolar; e 3. o novo mercado de trabalho imposto pela globalização.A divisão econômica do trabalho e o crescimento das cidades contribuiu para que o homem moderno começasse a se especializar no sentido de tornar-se único e insubstituível. No entanto, essa especialização demandou, e hoje ainda demanda, um aperfeiçoamento cada vez maior do indivíduo, e vem propiciando uma enorme fragmentação no campo do trabalho e do conhecimento. No trabalho, o indivíduo procurou se destacar através de maior domínio de uma área específica. Esse movimento foi, e é, crescente. Progressivamente, novos setores do conhecimento foram surgindo e requisitando especialistas que estudassem, compreendessem e explicassem as últimas descobertas. Neste contexto, a produção do conhecimento se baseava em um princípio de separação, ou seja, um domínio disciplinar era circunscrito para viabilizar o progresso do conhecimento. O objeto de estudo deveria ser colocado em uma situação de neutralidade, onde não houvesse interferências. As variações deveriam ser introduzidas e controladas pelo observador/pesquisador que se mantinha separado de sua observação. Dessa forma, a ciência foi posta no campo das certezas, no qual ela deveria obedecer ao princípio da razão. Assim, teve início nas ciências uma hiper-especialização e o fechamento das disciplinas. A partir daí, formou-se uma imagem fragmentada do indivíduo e, segundo Chanlat (1992, pág. 26):INSERTAR EL ARCHIVO TORRESSCHAL_TEX1.GIFDentro desta idéia de fragmentação, de separação, podemos pensar na dicotomia entre o cognitivo e o afetivo que tem caracterizado, de forma geral, o ensino formal. O conhecimento cognitivo ainda ocupa lugar de destaque no ensino escolar. As diversas disciplinas e os seus conteúdos são colocados em primeiro plano, e o reconhecimento do aluno bom e eficiente se dá através da avaliação do grau de aquisição desses conteúdos. É como se nossas escolas produzissem «experts» em conhecimentos que estão, muitas vezes, defasados ou distantes da realidade científica, econômica, política ou social que se apresenta. Na sociedade ocidental contemporânea, generaliza-se o pensamento pragmático e tecnocrático. Levando em consideração essa nova ordem, é possível se pensar em um fosso entre o ensino brasileiro e o mercado de trabalho. De modo geral, por um lado, as escolas vem preparando os jovens para exercerem funções que talvez não sejam mais necessárias em um futuro próximo, assim como, o número de vagas no mercado de trabalho formal talvez não seja suficiente para empregar essa nova geração. Ao mesmo tempo, por outro lado, o ensino ainda enfatiza o conhecimento cognitivo e subdividido em disciplinas específicas, em detrimento da autonomia, criatividade e sensibilidade do estudante. Esta distância entre o ideal da educação e o que ela se tornou na prática das escolas, em nossa sociedade, é apontada por Lowenfeld & Brittain (1977), que se perguntam: «Em nosso sistema educacional damos realmente ênfase aos valores humanos Ou estamos tão ofuscados pelas recompensas materiais que não logramos reconhecer que os verdadeiros valores da democracia residem no seu mais precioso bem, o indivíduo » (Lowenfeld & Brittain, 1977: 14-15).Esta recente questão que expõe a dicotomia entre o ter e o ser, encontra ressonância na obra do filósofo renascentista francês, Montaigne, que, no século XVI, dedicou um capítulo do seu «Ensaios» à educação das crianças. Já naquele tempo, apontava a inadequação dos cuidados e despesas dos pais voltados «a encher a cabeça dos filhos de ciência, deixando de lado o bom senso e a virtude». Como escreveu: «Indagamos sempre se o indivíduo sabe grego e latim, se escreve em verso e prosa, mas perguntar se se tornou melhor e se seu espírito se desenvolveu — o que de fato importa, não nos passa pela mente» (Montaigne, 1580/1991:145). E após traçar uma série de sugestões práticas, conclui que o ensino deveria começar pela área afetiva para se consolidar na cognitiva: «Depois que lhe tiverem dito o que convém para o tornar mais avisado e melhor, falar-lhe-ão da Lógica, da Física, da Geometria, da Retórica; e como já terá a inteligência formada, logo aprenderá a ciência que escolher» (Montaigne, 1580/1991:149).É preciso considerar que cada tempo exige adaptações a quaisquer teorias e métodos. Mas, à educação cabe manter o desafio da crítica e do avanço. Assim, embora a tecnologia exija um espírito prático e realista, este não pode sobrepor-se àquilo que Montaigne tenta assegurar através de suas idéias, que é o fortalecimento da liberdade, da consciência e do espírito crítico. A educação não pode vergar-se às necessidades imediatas de seu tempo, senão reduzir-se-á a mera reprodutividade da prática. Há que manter-se como chama de novas idéias, intermediando o passado, o presente e encaminhando o futuro. Estimulando a crítica e a criatividade. Tal posição é compartilhada por Freinet, que em seu livro «Pedagogia do Bom Senso» (1967/1991), questiona a escolástica e a ciência «pretensiosa», e o «conteúdo» do ensino, defendendo que o fundamental está na atitude do professor de «fazer o aluno sentir sede». Como recomenda: «...Entusiasme seus alunos para irem cada vez mais depressa e cada vez mais longe. Basta você prever atividades suficientes -felizmente, há muitas-, para alimentar a necessidade de criar e de realizar» (Freinet, 1991: 33). Por sua vez, Weiler (1991), embora trace algumas reservas às colocações de Montaigne, admite que «o ensino do século XX merece boa parte das censuras que se endereçavam ao século XVI: abstração, formalismo, verbalismo». Weiler ainda valoriza o alerta de Montaigne quanto a rejeição de qualquer tipo de adestramento, enfatizando a importância da livre adesão das inteligências à verdade histórica ou científica, a livre adesão das consciências à verdade moral. O PAPEL DA CIÊNCIA E DA POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA EM NOSSO TEMPO, ESPECIFICAMENTE NA ÁREA BIOMÉDICA

A divulgação científica no Brasil ainda é uma área bastante inexplorada pelos ambientes acadêmicos e pelos meios de comunicação em geral. São poucas as universidades que mantêm programas ou publicações voltadas para a comunicação com o público sobre o saber científico construído em seu interior. Também os espaços da mídia são escassos, como os programas de televisão e rádio específicos sobre a ciência, assim como as matérias de jornais e revistas. Em geral, o conhecimento científico fica restrito aos meios acadêmicos, sendo freqüente o argumento de muitos cientistas em defesa de formas e processos que permitam ampliar o que denominam: «alfabetização científica» para a população, possibilitando a todos uma melhor compreensão do mundo em que vivem, maior capacidade crítica e participação cidadã, exercendo melhor vigilância sobre a própria vida e a sociedade.Uma questão importante a ser discutida com o público diz respeito à íntima associação entre princípios e teorias científicas e sua aplicação, tal como expressa o conceito de tecnociência. A Tecnociência, na civilização atual, tornou-se o principal ponto de partida para organizar a vida humana. A criação e a conservação do saber, a exigência de rigor na produção de verdades, a extensão e limites da tecnologia, articulada com a ética são temas centrais da reflexão contemporânea (Latour, 1987), merecendo ser ampliadas para o público leigo.Nesse sentido, a divulgação científica torna-se um compromisso social, principalmente nas áreas da saúde e meio ambiente, as quais podem propiciar ao cidadão e prioritariamente, à criança, elementos para a formação de uma consciência crítica em relação a si, aos outros e ao mundo, e portanto, ao próprio desenvolvimento da tecnociência.Essa ação é, na verdade, biunívoca. O esforço da tradução e comunicação da produção científica e tecnológica para o «senso comum» tem um efeito indutivo na própria construção do conhecimento e na elevação dos padrões críticos e éticos da comunidade científica. Este ponto foi desenvolvido de forma original por Ludwig Fleck (1986), precursor das análises de história social da ciência, particularmente no campo do conhecimento biomédico. Ele destacava a importância da popularização da ciência para o avanço do conhecimento especializado, ressaltando que no saber popular, em última instância se consolidam os valores ideais de positividade do saber. No esforço de comunicação entre especialistas e o homem comum, cria-se um campo novo de interação com grande potencial para a produção de conhecimento, caminho em que se destacam as possibilidades dos museus de ciência enquanto instituições privilegiadas para tal fim, bem como os cursos de pós-graduação e a formação de cientistas comprometidos com a transmissão de informações para o público.Compartilhando a preocupação atual sobre o papel da ciência e de sua divulgação na sociedade atual, a revista Science tem publicado uma série de ensaios intitulada «Science and Society», encomendados a eminentes cientistas, filósofos, epistemólogos e mesmo estudiosos amadores, os quais abordam questões éticas, científicas, filosóficas e políticas que se configuram sobre o rumo da nossa sociedade atual. Um dos ensaios, de autoria de Norman Augustine, professor da faculdade de engenharia da Princeton University, discute as implicações do conhecimento e desconhecimento científico para o rumo que a sociedade humana pode tomar. Segundo Augustine, constatamos freqüentemente as idéias mais absurdas sobre fenômenos hoje amplamente conhecidos. Em relação à sociedade americana, uma recente pesquisa da Fundação Nacional de Ciência, mostrou que menos da metade dos adultos americanos compreendem que a terra gira em torno do sol anualmente, somente 21% pode definir DNA e apenas 9% sabe o que é uma molécula. Em outra pesquisa mostrou-se que um em cada sete americanos ( ou seja, cerca de 25 milhões de pessoas) não é capaz de localizar os Estados Unidos em um mapa mundial sem legendas. O administrador da NASA, Dan Goldin, cita uma questão que ele recebeu enquanto argumentava por maiores financiamentos para a agência espacial: «Por quê nós precisamos construir satélites metereológicos se nós já temos na TV o Canal do Tempo» Como acrescenta, estas evidências não se restringem apenas aos Estados Unidos, a personagem principal de uma peça de uma escritora inglesa afirma que: «Primeiro vem a religião e a arte, em seguida a filosofia, e por último, a ciência». Esta é a ordem de importância dos grandes assuntos sobre a vida na sociedade atual.Augustine aponta a ironia desta evidência, pois mais do que qualquer outro país na Terra, a economia americana e seu padrão de vida está baseada em um rápido avanço científico. Como descreve, a sociedade americana hoje constrói edifícios gigantescos que não caem, satélites que permitem a comunicação por todo o planeta, elevadores que funcionam perfeitamente em edifícios de 100 andares, represas que não falham, automóveis que não estragam nos dias mais quentes e nas noites gélidas, redes elétricas que fornecem energia para milhares de casas, uma rede de computadores que vende e entrega a domicílio desde uma pizza a um carro, aeronaves que nos transportam com segurança, órgãos artificiais que funcionam dentro do nosso corpo por anos sem se degradar etc. Como diz, o que nos separa dos nossos irmãos pré-históricos, em suas cavernas, é produto da ciência e de sua correlata, a tecnologia.Apesar de todo esse progresso científico e constantes inovações tecnológicas, Augustine pondera sobre o desafio que permanece no campo do que chama de «sociociência». Para grande parte da população, o termo ciência está associado a desastres como Chernobyl, Bhopal, Talidomida, Challenger, e a bomba atômica. Assim, a ciência é vista como fonte de problemas mais do que soluções, como algo que deve ser evitado ou freado. Esta discussão está hoje mais aquecida, sobretudo na área biomédica, com o advento da inseminação artificial e dos transgênicos. O que mais se argumenta está vinculado a possibilidades de gerar monstros e ameaças ao homem e à sociedade. Mas qual pai ou mãe, deixaria o filho morrer em lugar de receber um coração transplantado, crescido em um porco transgênico Qual o diabético que não gostaria de estar tomando o leite de cabras transgências, que já vem adicionado de insulina Definitivamente, há que haver leis e controle social sobre qualquer atividade humana, de modo a prevenir quaisquer ameaças e desvarios individuais. Contudo, a aversão à moderna ciência e tecnologia, acalentada por grande parte da população, não advém do conhecimento, mas da falta de fundamentos e compreensão sobre o que de fato condenam. Como afirma Augustine, se de um lado, os cientistas se consideram descendentes do modelo de «Benjamin Franklin», um inventor benevolente, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da humanidade, por outro, freqüentemente eles são percebidos pelo público mais como «Dr. Frankenstein», capaz de espalhar o terror e deformações no mundo. Assim, os cientistas hoje precisam enfrentar as forças políticas e sociais e Augustine chega a propor uma Segunda Lei da Sociociência, a qual estabelece que: «Para cada ação científica, há uma reação igual e oposta». Assim, cada vez mais, qualquer falha ocasional da ciência estará submetida a intenso criticismo público, embora apoiado pelo analfabetismo entre aqueles que comandam os altos escalões de decisão na sociedade. Augustine exemplifica o ínfimo número de deputados e senadores americanos ( 20 entre 453) e governadores (9 em 50) que possuem algum background em ciência, os quais decidem sobre questões como programas espaciais, clonagem, projeto do genoma humano, controle da camada do ozônio, da poluição, chuva ácida etc. O dano para todos pode ser enorme, quando quem decide sobre o nosso bem estar não é capaz de compreender aspectos científicos rudimentares sobre assuntos críticos. E aqui Augustine se pergunta: «Podem os americanos escolher líderes adequados e apoiar seus programas se eles próprios são analfabetos cientificamente» Dentre as atitudes necessárias aos cientistas, Augustine aponta a necessidade de introduzir a ciência para os jovens, aqueles que vão construir o futuro, futuro este cada vez mais dependente da ciência. Além disso, os cientistas precisam aprender a se comunicar com audiências de não cientistas, ultrapassando aquela imagem do saber encastelado e do poder do conhecimento restrito a uns poucos iniciados. Assim, os cientistas devem se preparar para a divulgação, comparecendo a audiências no parlamento, a programas de TV e rádio, escrevendo ensaios em jornais para leigos etc. Se esta ponte não for estabelecida, se os cientistas perderem a atenção do público, ambos, população e cientistas sairão perdendo. Apesar de tais advertências, Augustine aponta sinais de que o movimento de popularização da ciência está crescendo e algumas medidas legais de proteção estão sendo tomadas, pelo menos na sociedade americana. Há um crescimento dos espaços destinados à divulgação científica, como os museus de ciência e science centers, assim como dos programas destinados a iniciar crianças e jovens no ambiente científico, exemplo que é dado por instituições como a NASA e diversas universidades. No Brasil, esse movimento também tem progredido e é compartilhado pela Fundação Oswaldo Cruz, que criou em 1986 o Programa de Vocação Científica (PROVOC) e inaugurou em 1999 um museu de ciência, o Museu da Vida. Contudo, a divulgação científica de qualidade, assim como a educação científica tem como ponto fundamental a relação que o cientista em formação estabelece com o seu mestre, aspecto que será melhor abordado a seguir. IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E DA RELAÇÀO MESTRE/ALUNO – EXEMPLOS DA ÁREA BIOMÉDICA

Considerando agora, dentre as diversas e importantes atividades destinadas a ampliar a compreensão da ciência e das vocações científicas, os programas de iniciação para jovens de ensino médio buscam institucionalizar e viabilizar para um número cada vez maior de alunos, os pressupostos de que a experiência precoce pode desenvolver uma motivação mais genuína, assim como o relacionamento com um mestre bem preparado estimula atitudes e ações importantes para o alcance de uma competência destacada e valores humanos afinados com a igualdade, solidariedade e ética.Um dos focos de estudo da psicologia contemporânea tem sido a investigação de como crianças e jovens se tornam músicos, poetas, cientistas ou pintores, e porque uma grande maioria não o faz, e de como estas capacidades artísticas e científicas se desenvolvem ou se atrofiam na nossa e em outras culturas. Busca-se conhecer como se desenvolve a criatividade e o gosto pela investigação, conjugando a natureza das capacidades particulares ou peculiaridades de cada pessoa, as configurações da sua personalidade, as circunstâncias sociais, o ambiente profissional, a influência da escola e do ambiente familiar.Simonton (1978) relata diversas pesquisas feitas com cientistas, nas quais verificou-se que a maioria dos que são produtivos durante toda a sua carreira começam cedo, tendo recebido seus graus quando bem jovens, assumindo o hábito de produção regular desde então. Tais pessoas não são afetadas por mudanças externas como promoções, salários, prêmios, etc., mas continuaram produtivas por motivações intrínsecas. Como se percebe, a oportunidade de iniciar cedo a vivência do processo de construção da ciência e poder experimentar este caminho na companhia de um mestre experiente e com sensibilidade para estimular o jovem é um dos fatores relevantes para desencadear um interesse verdadeiro pelo fazer científico e o engajamento na carreira.E neste ponto, eu gostaria de apresentar aqui alguns exemplos positivos da importância da interação com mestres de capacidade reconhecida, que se tornaram modelos para alguns renomados cientistas, nacionais e internacionais. São experiências contadas com admiração e afeto, revelando encontros humanos fundamentais para a formação do pesquisador, assim como para seu desenvolvimento como pessoa. Vale lembrar que relações desastrosas podem aniquilar ou transformar vocações genuínas, contribuir para uma formação de má qualidade ou ainda motivar objetivos pouco afinados com interesses humanistas, situações estas que não são foco de análise do presente trabalho. O livro de Howard Gardner «Mentes que Criam» (1996) é pródigo nos exemplos de alguns importantes vultos do nosso tempo, autores de algumas das idéias e tendências que moldaram a cultura contemporânea. São eles: Freud, Einstein, Picasso, Stravinsky, Eliot, Graham e Gandhi. Representantes dos domínios da ciência, da arte e da política, estas pessoas tiveram em comum diversos elementos descritos por Gardner, dentre eles, a forte presença de um mestre ou um modelo na infância e/ou adolescência ou ainda uma escola encorajadora e leituras fundamentais. Gardner (1996) situa a importância de três elementos centrais presentes no cerne da dedicação à ciência e no empreendimento criativo, sendo que um deles está na relação precoce entre o aluno e o mestre – enfatizando a importância da relação entre o aluno talentoso e ainda não formado e a sua vivência no campo do mestre confiante, cuja sensibilidade contribui para estimular a criatividade do jovem que tem sob sua orientação. Assim, Gardner destaca que toda atividade criativa se origina da relação entre a pessoa e o mundo objetivo do trabalho e dos laços da mesma com os seres humanos. A criatividade não depende apenas de uma dotação genética, mas incorpora um forte elemento social, através de mútuas influências de uns sobre os outros. Assim, os antecedentes do desenvolvimento da capacidade criativa e da investigação científica incluem: o «background» familiar, o papel dos modelos (os mestres), a educação e o meio sócio-cultural.Aqui darei destaque à esfera da influência individual, aos laços que a criança ou o jovem estabelece com um mestre que marca a sua vida e estimula a expressão do seu potencial de criatividade, e com um ambiente encorajador, considerando a importância destes aspectos nos programas de vocação científica na área biomédica. É importante dar destaque aos argumentos de Gardner sobre o valor que tem para a formação do jovem, a oportunidade de descobrir o seu mundo, tendo ao lado uma pessoa que o encoraje, caracterizando-se como uma experiência confortável , exploradora, que resulta em um «capital de criatividade», o qual certamente valerá para toda a vida. Gardner cita o estudo de dois psicólogos (Benjamim Bloom e Lauren Sosniak), que ao examinarem jovens talentosos, identificaram a situação ou o momento em que os mesmos se apaixonaram por um material, uma situação ou pessoa específica, cuja atração mobiliza seu potencial em busca de realização, caracterizando-se como uma «experiência cristalizadora». É para esta experiência cristalizadora que precisamos estar atentos, de modo que seja uma situação favorável na iniciação científica dos nossos jovens, estimulando a sua vocação e motivação para o fazer científico.Dentre os escolhidos de Gardner, destaco os dois que se dedicaram à ciência, Freud e Einstein, buscando enfatizar aquilo que transparece na análise quanto ao início da formação científica de ambos. Em relação a Freud, Gardner destaca Ernst Bruecke como o primeiro mestre que influencia Freud. Bruecke rejeitava qualquer consideração de vitalismo ou intencionalidade da matéria viva, acreditando que «as respostas para todas as perguntas naturais deveriam vir do cuidadoso estudo das células e de suas conexões, e da especificação das forças químicas e físicas que controlam suas interações biológicas». Esta foi a atmosfera ideológica onde Freud foi lançado, tendo por primeira tarefa estudar a histologia de um tipo peculiar de célula grande do Petromyson, um peixe primitivo, assim como as estruturas das células nervosas do camarão-de-água-doce e da gônada da enguia. Já nestas primeiras experiências, Freud realizou a sua primeira invenção, criando um método para colorir o tecido nervoso com cloreto amarelo-ouro.Gardner destaca que além dos conhecimentos científicos e habilidades técnicas adquiridas por Freud, os traços pessoais de Bruecke o impressionaram, pois este era exigente, consciencioso, infalivelmente justo, um líder nato. E embora exigente, para os alunos que conseguiam seguir seu exemplo científico e pessoal, demonstrava entusiasmo e dava apoio. De Bruecke, Freud adotou a fé nas explicações materialistas e compartilhou seu desdém pelo místico, assim como desenvolveu a capacidade de observar detalhes, nas análises dos princípios que governam a organização do sistema nervoso. Assim, dos vinte aos trinta e poucos anos, Freud produziu uma considerável lista de publicações na área de neuroanatomia. Junto a Bruecke, Gardner inclui também a influência importante do neurologista Jean-Martin Charcot na formação de Freud. Charcot era um homem expansivo e carismático e em uma carta de Freud para a sua noiva, ele revela que algum dia «possivelmente atingiria o nível de Charcot».Quanto a Einstein, Gardner destaca que as suas perguntas lembram as perguntas de crianças pequenas, quando estas não são habitualmente «silenciadas» pelos adultos. Além disso, assistiu na infância, o pai e o irmão construindo uma variedade de dispositivos elétricos, os quais despertaram a sua curiosidade, tornando-se fascinado por máquinas de todos os tipos e construções que ele reproduzia com elementos de brinquedo. Na juventude, Einstein foi influenciado por um estudante de medicina russo-judeu, que costumava ser recebido na casa de seus pais. Este lhe deu muitos livros para ler, incluindo clássicos como os trabalhos de Kant e Darwin. Também publicações de Aaron Bernstein, uma espécie de Isaac Azimov daqueles tempos, onde uma visão de ciência mecanicista e atomística era apresentada, estimulou a sua fé no potencial da pesquisa científica. Embora seja muito divulgado que Einstein era um aluno fraco e desinteressado na escola durante a sua infância, na adolescência ele adorou um certo estabelecimento de ensino em Aarau, ao norte de Zurique, onde estudou. Era uma escola progressista, fortemente influenciada pela filosofia pedagógica de Johann Pestalozzi, onde uma abordagem humanista era encorajada, assim como a centralidade do entendimento visual para a formação de conceitos. Nesta escola, Einstein «deu uma virada», e assim a descreveu na velhice: «A escola deixou em mim uma impressão inesquecível, graças ao seu espírito liberal e à pura dedicação dos professores, que não se baseavam em nenhuma autoridade externa». Como comenta Gardner, «a experiência nesta escola mostrou a Einstein que sua curiosidade idiossincrática podia ser perseguida num ambiente escolar». E assim, os escritos de Einstein aos dezesseis anos, já permitem vislumbrar o germe da teoria da relatividade, que seria concebida dez anos mais tarde. Em sua formação, combinou-se o seu interesse persistente, a fé na ciência absorvida através de leituras e discussões, o prazer do trabalho científico, construído a parir dos negócios do pai com montagens de equipamentos elétricos e a atmosfera apropriada da escola em Aarau. Gardner refere-se também à leitura de um livro escrito por um obscuro professor de física, August Föppl, que Einstein devorou em 1890 e parece tê-lo ajudado a entender que a mecânica é uma parte da física, e que a investigação desses tópicos abrange questões filosóficas e epistemológicas que não podem ser ignoradas. Tratava-se de um livro que pode ser caracterizado como de popularização da ciência, escrito por Föppl para que os estudantes sem treinamento formal pudessem compreender alguns princípios científicos da física, no qual Einstein pôde identificar algumas de suas mais persistentes preocupações. Assim, tanto na formação científica de Freud quanto de Einstein podemos perceber a influência de pessoas, leituras, um ambiente encorajador, associados a uma curiosidade nata e espírito observador.Também na ciência brasileira, podemos encontrar não raros exemplos da influência de mestres destacados e ambientes estimulantes, os quais são determinantes para o ingresso e a continuidade na carreira científica. Em uma entrevista com a Professora Hortênsia de Hollanda (Schall, 1999), ela revela a influência de seu pai, Horácio Hurpia Filho, médico, a quem acompanhava em consultas voluntárias em hospitais beneméritos e comunidades desfavorecidas, assistidas por ele em suas folgas de fins de semana. Como conta: «Sua capacidade para ouvir as queixas dos doentes, vontade de compreender as situações geradoras de doenças, penetrar na raiz dos fatores antes de intervir, mostravam um comportamento profissional que me marcou profundamente, associado ao respeito e solidariedade ao sofrimento do povo». Estas foram atitudes que marcaram a sua prática, fundamentais para a educação em saúde, área na qual é imperativo ouvir a população e construir junto com ela os programas de ação, o que Hortênsia pratica e ensina por toda a vida, desde que começou.Outro depoimento importante, ilustrativo da produtiva relação mestre-aluno, foi deixado pelo Dr. Hugo de Souza Lopes, um dos entomologistas brasileiros mais citados na literatura mundial de sua área, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. Em sua entrevista para o meu livro: Contos de Fatos (Schall , 2000), a mim concedida em 1989, ele relatou que a própria opção pela carreira científica ocorreu, não por um ideal ou tendência desde a infância, mas através de seu encontro com o Prof. Lauro Travassos, mestre que pôde descortinar a sua vocação e interesse pela ciência. Dr. Hugo cursava o 2º ano de veterinária quando encontrou o Prof. Travassos, era agosto de 1931. Tinha então 22 anos. O Prof. Travassos o convidou para um estágio em Manguinhos - para onde foi e ficou até fins de 1949 sem qualquer contrato, quando finalmente foi admitido oficialmente. Sempre esteve ao lado do Prof. Travassos, o qual era catedrático da Cadeira de Zoologia Médica e Parasitologia da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária. Enquanto aluno do Prof. Travassos nesta disciplina, destacou-se como o mais brilhante de sua turma, tendo sido então indicado pelo mestre, em 1933, para assistente desta Cadeira, cargo que exerceu até 1938. Foi também seu assistente na UDF (Universidade do Distrito Federal), assim como integrou a equipe de pesquisa do Prof. Travassos em Manguinhos, onde Dr. Hugo trabalhou por quase toda a vida, exceto o período da ditadura militar, quando foi cassado, tendo sido reintegrado em 1986. Dr. Hugo fala com admiração do Prof. Travassos, destacando a sua simplicidade, a sua crença de que todos tinham capacidade para aprender tudo, abrindo oportunidades sempre para os mais jovens. Esta admiração e a amizade, segundo Dr. Hugo, incentivaram a sua dedicação à docência e à investigação científica, a qual inclui conhecimentos de áreas diversas, abrangendo além da entomologia, a malacologia, a parasitologia geral e a botânica, enfim, um vasto saber que caracteriza os verdadeiros naturalistas, no seu caso, um zoólogo nato, como poucos encontramos pela vida. Por sua vez, Dr. Hugo incentivou a vocação científica de inúmeros estudantes, dentre eles, o Dr. Sebastião José de Oliveira, também pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, que descreveu sobre a importância do aprendizado e convivência com o seu mestre, quando faziam coletas de animais na mata do Grajaú, Rio de Janeiro. Como relata: «Foi lá que aprendi quase tudo que sei hoje, inclusive botânica, com a convivência, a experiência e os ensinamentos do Prof. Hugo. Ficávamos lá até meio dia, uma hora da tarde, observando, colecionando insetos e às vezes plantas ... Depois do almoço, íamos para um aposento em cima da garagem, onde o professor tinha o seu laboratório/escritório/biblioteca, onde nós preparávamos o material apanhado naquele dia: eu separando meus mosquitos, quironomídeos etc, e o professor Hugo quase sempre espremendo a barriga de moscas sarcofagídeas, para colocar suas larvas em um meio de criação inventado por ele, ou então tentar infestar outro animal, um molusco, por exemplo. Lá pelas quatro, cinco horas da tarde ia eu de volta para casa, feliz da vida com o que tinha colecionado ou aprendido». E muitos outros exemplos eu poderia seguir contando aqui. Entretanto, creio que só trariam reforço daquilo que podemos perceber dos demais acima descritos. Em todos, é nítida a influência do mestre, a importância da admiração que desperta no aluno, o exemplo de caráter, por todos realçado, a ética, a fidelidade aos dados, o rigor na metodologia e o prazer na investigação. É também relevante a atmosfera da aprendizagem, seja ela na escola ou no laboratório e até mesmo em casa. Em todos os exemplos, fica a imagem de encontros humanos verdadeiros e a amplitude que promove na formação do jovem iniciante, colaborando não apenas para uma formação científica de qualidade, mas para nobres valores humanos e comprometimento com a vida, a sociedade e os semelhantes. BIBLIOGRAFIA

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