Artículo completo «Aprimorar-se é mudar; ser perfeito é mudar com frequência» Os abscessos hepáticos possuem como agentes etiológicos bactérias, protozoários e fungos. De um modo geral os mais comumente encontrados são os abscessos de origem piogênica e os causados por Entamoeba histolytica (como revisados nas partes 1 e 2 do presente trabalho), além dos fungos. Atualmente tem-se observado um aumento representativo no número de casos dos abscessos hepáticos fúngicos. Esta afecção acomete, preferencialmente, pacientes imunodeprimidos, em condições como a Síndrome de Imunodeficiência adqüirida (SIDA/AIDS), leucemias agudas, outras neoplasias e enfermos transplantados.1 Há relatos na literatura de abscesso hepático fúngico por Cryptococcus neoformans em pacientes imunocompetentes, embora esta seja uma entidade rara.2 Os principais fungos envolvidos são Candida albicans, Aspergillus spp, C. neoformans, Coccidioides immits, Torulopsis glabrata e Blastomyces dermatitidis.2 O presente manuscrito tem como escopo a discussão dos principais aspectos dos abscessos hepáticos fúngicos. FUNGOS IMPORTANTES NA ETIOLOGIA DOS ABSCESSOS HEPÁTICOS Candida albicans3 Descrita inicialmente por Langenbeck, em 1839, em aftas de pacientes com febre tifóide, C. albicans, espécie patogênica principal do gênero Candida, constitui-se como agente presente na microbiota da pele, mucosas e do tubo digestivo. Este fungo apresenta-se como uma pequena levedura, oval-arredondada, de parede delgada, com brotamento único ou múltiplo, em base estreita, medindo cerca de 0.2-0.3 µm de diâmetro, sendo gram-positivas à coloração pelo método de Gram. São cultivados em Ágar-Sabouraud, acrescidos de antimicrobiano, sendo encontradas colônias com coloração esbranquiçada de consistência cremosa, bastante características. Aspergillus spp4 Fungo encontrado comumente em qualquer tipo de solo. Apresenta-se como hifas hialinas septadas com diâmetro variando de 2.5-4.5 µm. Essas hifas ramificam-se a um ângulo de 45° assumindo aspecto radiado a partir de um foco central. É cultivavél em meio Ágar-Sabouraud com cloranfenicol e sem ciclo-heximida, 25-37 °C. Na cultura, o fungo pode-se mostrar sob várias colorações (amarela, negra e verde, dentre outras), com filamentos. Em pacientes imunodeprimidos, Aspergillus spp pode assumir a forma disseminada determinando, entre outras manifestações, o abscesso hepático. Cryptococcus neoformans5 Apresenta-se como leveduras esféricas ou ovóides de 3-7 µm, circundadas por cápsula gelatinosa. Pode ser cultivado em meio de Ágar-Sabourand acrescido de cloranfenicol, variando a uma temperatura de 30 a 35 °C. É típico o encontro de leveduras quando utilizado a coloração por tinta nanquim. A bile, quando positiva para o fungo, apresenta um aspecto semelhante à bile encontrada na colangite esclerosante. Blastomyces dermatitidis7 Corresponde a uma célula em forma de levedura, de aspecto globoso, com paredes finas, refringentes, medindo entre 8 e 15 m, com brotamento único. Pode ser incubado à temperatura de 25 a 30 °C por três a quatro semanas e cultivado em meio Sabouraud. O fungo encontra-se no citoplasma de células gigantes ou no interior dos microabscessos, sendo observado com as colorações de PAS e prata metenamida (Grocott). Pode causar colangite em pacientes idosos ou imunocomprometidos. Coccidioides immitis8 O primeiro caso de coccidioidomicose foi relatado inicialmente em 1892 por Wernicke e Posados na Argentina em um paciente portador de lesões disseminadas na pele. Stiles sugeriu a denominação de Coccidioides immitis aos microrganismos encontrados. Coccidioides immitis é um fungo presente no solo de regiões semiáridas ou desérticas da América, de aspecto dimórfico com 5-60 m de diâmetro, que em parasitismo, apresenta-se como elementos esféricos, redondos e não brotantes. Esférulas maduras com diâmetro variando entre 20-60 m repletos de endosporos são os elementos parasitários característicos. O fungo mostra crescimento rápido quando em vida livre e nos cultivos em temperatura ambiente. Possui aspecto inicial membranoso de cor branco que rapidamente se transforma em algodoado e, dentro de algumas semanas, adquire coloração marrom-claro. Microscopicamente as hifas mostram-se septadas e ramificadas de 2-4 m de diâmetro, com numerosas estruturas em forma de barril. Quando na forma disseminada, pode levar à formação de abscessos hepáticos. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS, DIAGNÓSTICAS E TERAPÊUTICAS O agente etiológico mais comumente observado nos abscessos hepáticos de origem fúngica é C. albicans. Desta forma, este patógeno será utilizado como protótipo na descrição dos aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos desses abscessos. Dados obtidos de necrópsia revelaram que o fígado é acometido em 75% das infecções disseminadas por C. albicans,2 isso ocorre com maior freqüência em pacientes que apresentem comprometimento do sistema imunológico, como pacientes com AIDS, transplantados, neoplasias em geral e principalmente leucemias agudas, sobretudo da linhagem granulocítica (LMA).9 Outros fatores de risco incluem diabetes mellitus, desnutrição, insuficiência renal crônica, alimentação parenteral, defeitos de células T, múltiplas cirurgias abdominais e terapia antimicrobiana pré-operatória – um dos importantes fatores de risco para o desencadeamento da colonização por Candida spp.10,11 A infecção se dá inicialmente pela colonização do trato gastrintestinal, atingindo o fígado através da disseminação pelo sistema porta, com formação de microabscessos.Habitualmente esta afecção cursa com quadro não toxêmico, encontrando-se o paciente em regular estado geral, com exceção do período de pico febril. A febre é a manifestação clínica mais freqüente e geralmente única, ocorre de forma irregular, cursando com picos febris diários (temperatura axilar maior de 38.5 °C) e retorno para a temperatura basal.12 Helton e colaboradores em uma série de casos relatam que, além da febre, são encontrados outros achados clínicos-laboratoriais como neutropenia, icterícia eventural, suores e calafrios. Em geral associa-se a neutropenia prolongada. Outras manifestações como desconforto abdominal, dor em quadrante superior direito (que pode variar de leve a grande intensidade), dor pleurítica e hepatoesplenomegalia, podem estar associados a febre.O diagnóstico de abscesso hepático fúngico é, na maioria das vezes, difícil e demorado, por se tratar de uma condição que apresenta um quadro clínico pobre e inespecífico e pouco característico.Dentre os exames laboratoriais, pode-se destacar o rápido aumento da fosfatase alcalina como alteração mais freqüente e aumento das aminotransferases que podem, em um contexto clínico sugestivo, ser úteis para o diagnóstico. Os métodos de imagem, ultra-sonografia (USG) e tomografia computadorizada (TC) de abdome, são os exames de escolha para se tentar “fechar” o diagnóstico. Sem embargo, por muitas vezes se tratar de pacientes neutropênicos esses métodos não são úteis, pela não ocorrência de abscedação. Ademais, nesta situação a hemocultura freqüentemente é negativa. Quando a neutropenia se resolve, a USG e a TC, podem revelar múltiplos macro ou micro abscessos no parênquima hepático e também no baço e rim, imagens denominadas como "olhos de boi". Recomenda-se solicitar inicialmente a USG por se tratar de um exame rápido, simples, que pode ser realizado a beira do leito e de custo relativamente baixo se comparada a TC (exame padrão ouro). Caso a USG não mostre alterações, a TC deverá ser realizada pois é o exame mais sensível. Nos casos em que o resultado da TC é negativo, e mantém-se a suspeita clínica, este exame deve ser repetido semanalmente enquanto a febre durar ou até que esta desapareça em resposta à algum tipo de tratamento antimicrobiano12 Estes exames ainda são úteis no acompanhamento da evolução do abscesso, que mostrará, em caso de boa resposta ao tratamento, diminuição do tamanho dos abscessos e do número de lesões.Nos casos em que não se chega ao diagnóstico através da clínica e dos exames de imagem pode-se utilizar a biópsia hepática (através de punção ou de laparotomia) com exame cuidadoso de secções de tecido através de coloração de prata metanamina (Grocott). Entretanto, a biópsia hepática pode representar um grande risco, devido a trombocitopenia muitas vezes presente. Tem-se tentado ainda o cultivo de C. albicans através de culturas de fragmentos de biópsia, porém raramente tem-se conseguido crescimento. No diagnóstico diferencial, necessita-se distingüir as seguintes condições: abscessos hepáticos piogênicos e amebianos, enterites (bacterianas, viróticas ou fúngicas), ulcerações de mucosa (causada por quimioterapia, vírus ou fungos), hepatites, pseudo-obstrução colônica, infiltrados leucêmicos e metastáses necróticas tumorais.O fármaco de escolha para o tratamento do abscesso hepático fúngico por C. albicans é a anfotericina B. A resposta da infecção à droga é lenta requerendo, muitas vezes, dois a três meses de tratamento. O fluconazol pode ser usado e extendido ao regime anti-fúngico. Para maiores detalhes ver Quadro 1. (INSERTAR TABLA 1) Segundo Simmons, em alguns casos pode ser usada a anfotericina B local, através de um cateter percutâneo. É infundida uma elevada concentração do fármaco podendo esta modalidade associar à terapia sistêmica.12 Esta abordagem, no entanto, não é uma prática bem estabelecida.Dados da literatura revelam que, a terapia com anfotericina B deve ser mantida até que a neutropenia se resolva, o paciente se torne apirético sem o uso de antibióticos e haja uma melhora do padrão radiológico da TC ou USG.12 O procedimento cirúrgico está indicado para aliviar a obstrução das vias biliares e também para drenagem dos abscessos que não respondem aos quimioterápicos. Uma opção ao procedimento aberto é a drenagem percutânea dos abscessos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os abscessos hepáticos fúngicos, discutidos no presente artigo, aumentaram de forma significativa nos últimos anos. Tal fato deve-se, principalmente, ao maior número de pacientes que evoluem com imunodepressão. É de crucial importância clínica o entedimento fisiopatológico desta entidade, tornando, assim, possível ao médico o adequado manejo do paciente. BIBLIOGRAFIA
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