siiclogo2c.gif (4671 bytes)
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA E ASSOCIAÇÃO COM NÍVEIS DE DEPRESSÃO E ANSIEDADE EM INDIVÍDUOS QUE INALARAM FUMAÇA TÓXICA
(especial para SIIC © Derechos reservados)
bbbb
cccc

Autor:
Daiane Alves Delgado
Columnista Experta de SIIC

Institución:
Universidade Federal de Santa Maria

Artículos publicados por Daiane Alves Delgado 
Coautores
Jéssica De Conto* Adriane Schmidt Pasqualoto* Isabella Martins de Albuquerque** Ana Lucia Cervi Prado* Marisa Bastos Pereira*** 
Kinesióloga, Universidade Federal de Santa Maria*
Kinesióloga, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil**
Kinesióloga, Hospital Universitário de Santa Maria***

Recepción del artículo: 0 de , 0000

Aprobación: 5 de julio, 2016

Primera edición: 7 de junio, 2021

Segunda edición, ampliada y corregida 7 de junio, 2021

Conclusión breve
Os resultados demonstraram que os indivíduos que inalaram fumaça tóxica no incêndio da Boate Kiss apresentaram, 28 meses após o desastre, uma diminuição da qualidade de vida, especialmente no componente mental. Além disso, observou-se moderados níveis de ansiedade e depressão, que foram fortemente associados a baixos níveis de qualidade de vida mental. Tais achados evidenciam que populações afetadas por desastres necessitam de um acompanhamento longitudinal e multiprofissional.

Resumen

Resumen: Introdução: O impacto sobre a saúde física e mental em sobreviventes de desastres pode evoluir para amplas consequências, nas quais podem interferir diretamente na qualidade de vida dos indivíduos. Objetivo: Avaliar a qualidade de vida de sobreviventes do incêndio da Boate Kiss em Santa Maria - RS, Brasil, e analisar sua associação com níveis de depressão e ansiedade. Métodos: Estudo transversal com uma amostra de 63 sobreviventes que foram atendidos no Centro Integrado de Atendimento às Vítimas de Acidentes do HUSM. Os instrumentos de avaliação utilizados foram o12-Item Short-Form Health Survey (SF-12), o Índice de Depressão de Beck e o Inventário de Ansiedade Traço-Estado. Resultados: Constatou-se diminuição da qualidade de vida, especialmente quanto ao componente mental, em 54% dos indivíduos. Observou-se níveis moderados de ansiedade-traço em 46% e de ansiedade-estado em 58.7%, além de sintomas depressivos em 33.33% da amostra. Baixo nível de qualidade de vida mental foi fortemente associado com ansiedade-traço (r = -0.764; p = 0.000), com ansiedade-estado (r = -0.707; p = 0.000) e sintomas depressivos (r = -0.797; p = 0.000). Conclusão: Na amostra pesquisada evidenciou-se diminuição da qualidade de vida no aspecto mental e níveis moderados de ansiedade e depressão, os quais foram fortemente associados à qualidade de vida.

Palabras clave
qualidade de vida, lesão por inalação de fumaça, ansiedade, depressão, ansiedad, desastres provocados por el hombre, depresión, lesión por inhalación de humo, desastres provocados pelo homem

Clasificación en siicsalud
Artículos originales> Expertos del Mundo>
página www.siicsalud.com/des/expertos.php/147814

Especialidades
Principal: NeumonologíaSalud Mental
Relacionadas: KinesiologíaMedicina InternaToxicología

Enviar correspondencia a:
Isabella Martins de Albuquerque, 97105-900, Santa Maria, Brasil

QUALITY OF LIFE ASSESSMENT AND ASSOCIATION WITH DEPRESSION LEVELS AND ANXIETY IN SURVIVORS OF TOXIC SMOKE INHALATION

Abstract
Abstract: Introduction: The impact on physical and mental health of disaster on disaster survivors can have far-reaching consequences, which may directly affect the quality of life.

Objective: To evaluate the quality of life of survivors of the Kiss Nightclub fire in Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brazil, and to analyze its association with depression and anxiety levels. Methods: An across-sectional study was conducted on 63 survivors who were assisted by the Integrated Care Center for Accident Victims at the HUSM. The assessment instruments were the 12-Item Short-Form Health Survey (SF-12), Beck Depression Inventory, and the State-Trait Anxiety Inventory. Results: A decrease was observed in the quality of life, especially in the mental component, in 54% of the individuals. Moderate levels of an anxiety-trait were found in 46% and of an anxiety-state in 58.7%, in addition to depressive symptoms in 33.33% of the sample. Low quality of mental life was strongly associated with an anxiety-trait (r = -0.764; p = 0.000), anxiety-state (r = -0.707; p = 0.000), and depressive symptoms (r = -0.797; p = 0.000). Conclusion: The sample studied presented a decreased quality of life in the mental aspect and moderate levels of anxiety and depression, which were strongly associated with their quality of life.


Key words
quality of life, smoke inhalation injury, anxiety, depression, man-made disasters

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA E ASSOCIAÇÃO COM NÍVEIS DE DEPRESSÃO E ANSIEDADE EM INDIVÍDUOS QUE INALARAM FUMAÇA TÓXICA

(especial para SIIC © Derechos reservados)

Artículo completo
Introdução

O desastre ocorrido na Boate Kiss, na cidade de Santa Maria, RS, Brasil, na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, vitimou 242 jovens e adultos, sendo a maioria dos óbitos causados por asfixia metabólica pela inalação de fumaça tóxica.1,2 As características do incêndio na Boate Kiss foram semelhantes as do incêndio na discoteca República Cromañon, na Argentina, em 2004, com 194 vítimas fatais e aproximadamente 1432 feridos.

Os sobreviventes da Boate Kiss foram acometidos, além da intoxicação por monóxido de carbono e cianeto, lesão térmica das vias aéreas, acometimento pulmonar por partículas sólidas de materiais químicos e queimaduras corporais.3 Tais situações acarretam danos físicos e também efeitos negativos na saúde mental. Em consequência dessa vivência traumática, os indivíduos afetados necessitam de apoio multiprofissional para reduzir o sofrimento emocional e também para facilitar a reabilitação física.4,5

Vários autores têm investigado a curto e longo prazo os efeitos físicos e psicológicos de diversos tipos de desastres ocorridos pelo mundo –incêndios, ataques terroristas, explosões de bombas, tsunamis– e têm demonstrado uma grande prevalência de problemas físicos e psicológicos.6-9 Os desastres e a exposição a elevados níveis de estresse apresentam consequências diversificadas sobre a saúde mental das populações afetadas, dentre elas, pode-se citar a depressão, ansiedade e baixa autoestima.9,10

Sabe-se que a inalação de fumaça ou gases é a principal causa de mortalidade precoce em vítimas de incêndio,11 entretanto, são escassos os estudos sobre os efeitos físicos da exposição a incêndios, e mais especificamente a respeito dos efeitos respiratórios mediante tal exposição. Alguns trabalhos estudaram a população afetada e os trabalhadores do resgate do ataque ao World Trade Center e observaram que a exposição intensa aos materiais tóxicos gerados no episódio foi associada à responsividade brônquica e aumento da tosse, além de sintomas como dispneia, congestão nasal e diminuição da função pulmonar.12,13

Nos últimos anos, o conceito de qualidade de vida tornou-se fundamental para a compreensão de problemas de saúde.14 Tal variável pode ser afetada por doenças, desastres e exposição a eventos ambientais.15 Sendo que a busca de maior conhecimento sobre a qualidade de vida das pessoas envolvidas nessas situações faz-se importante, a fim do estabelecimento de estratégias visando a recuperação e quantificação do impacto dos danos à saúde a médio e longo prazo.16

Partindo desses pressupostos, o presente estudo objetivou avaliar a qualidade de vida de sobreviventes do incêndio na Boate Kiss em Santa Maria - RS, Brasil, e analisar sua associação com níveis de depressão e ansiedade.


Metodologia

Trata-se de um estudo transversal descritivo, a partir de amostra por conveniência, recrutada no CIAVA do HUSM, sendo inicialmente convidados a participar do estudo 133 indivíduos. Foram incluídos os indivíduos que tiveram exposição direta ou indireta à fumaça tóxica e/ou queimaduras proveniente do incêndio. O critério de exclusão abrangeu os indivíduos envolvidos no evento, mas que não foram encaminhados ou atendidos pelo CIAVA.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFSM sob CAAE n° 23676813.8.0000.5346 em dezembro de 2013, de acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sobre pesquisas envolvendo seres humanos. E todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), antes de responder aos questionários.


Procedimento e coleta dos dados

Os indivíduos que compuseram o estudo foram recrutados através de consulta ao banco de dados do CIAVA. O contato foi realizado entre agosto de 2014 e abril de 2015, pessoalmente, nos intervalos dos atendimentos da Fisioterapia no HUSM, ou por ligação telefônica, sendo agendado um encontro para aplicação dos questionários.

Os questionários foram autoaplicados na presença dos pesquisadores e as avaliações ocorreram de forma tranquila e sem intercorrências.


Instrumentos

Para as avaliações foram utilizados três questionários validados. O instrumento de mensuração da qualidade de vida dos pacientes foi o questionário 12-Item Short-Form Health Survey (SF-12).17 O Beck Depression Inventory (BDI) ou Índice de Depressão de Beck18 avaliou sintomas depressivos e o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE)19 foi utilizado para medir conceitos de ansiedade. Todos os questionários foram aplicados e interpretados pelo psicólogo da equipe.

O SF-12é um questionário de 12 perguntas selecionadas a partir do Short-Form 36 Health Survey (SF-36), constituído pelos domínios mental e físico. Esses domínios conjuntamente, avaliam a qualidade de vida da população, considerando a auto-avaliação sobre sua saúde nas últimas quatro semanas.20,21 As doze respostas geraram uma pontuação para o componente físico (CF) e para o componente mental (CM) e os pontos de corte adotados foram de 50 pontos para o CF e 42 pontos para o CM.20

O BDI é um instrumento que contém 21 itens, com alternativas de intensidade que variam de 0 a 3 e avalia a presença de sintomas depressivos, tristeza, desânimo, culpa e entre outras manifestações que o indivíduo possa ter apresentado na semana em que ele responde o questionário.18,22 Os indivíduos que obtiveram escore < 10 foram considerados não deprimidos e aqueles que apresentaram escore ? 10 foram classificados com sinais de depressão.23

Já o IDATE é um questionário subdividido em Traço (IDATE-T) e Estado (IDATE-E), cada escala contém 20 questões, e tem por finalidade avaliar a ansiedade do indivíduo que as responde. A escala do IDATE-T demonstra a forma como a pessoa geralmente se sente e o IDATE-E apresenta como a pessoa se sente no momento em que responde o questionário.24 A referida escala foi validada para o Brasil em 1977 por Biaggio, Natalício e Spielberg19 e consiste de perguntas do tipo Likert, com quatro alternativas que variam de 1 a 4 pontos e o somatório dessa pontuação classifica o nível de ansiedade do indivíduo, sendo baixo de 20 a 34 pontos, moderado de 35 a 49 pontos, elevado de 50 a 64 pontos e altíssimo de 65 a 80 pontos.19


Análise estatística

Os dados coletados foram tabulados e posteriormente analisados utilizando o programa GraphPad Prism 5.0. Utilizou-se o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov para avaliar a distribuição da amostra, e o teste Qui-quadrado foi para avaliar a associação entre as variáveis categóricas e as variáveis demográficas e clínicas.

Para comparação das médias dos indivíduos deprimidos e não-deprimidos, utilizou-se o teste t de Student. O teste de correlação de Pearson foi utilizado para avaliar a relação linear entre as variáveis categóricas.

Os dados foram expressos em frequência absoluta (n), percentual (%), e média ± desvio padrão. O nível de significância adotado foi de 95% (p = 0.05).


Resultados

Foram convidados a participar do estudo 133 indivíduos. Destes, 63 foram incluídos na amostra (Figura 1).






As características demográficas e clínicas estão demonstradas na Tabela 1. Do total de indivíduos, 60.32% eram mulheres, e a média de idade foi de 27.16 ± 8.86 anos, sendo que 71.4% dos indivíduos encontravam-se na faixa etária de 20 a 29 anos. Quanto à escolaridade, 69.84% da amostra possuía ensino superior completo ou incompleto. Sobre a ocupação, 58.73% eram estudantes, 9.53% funcionários públicos e 31.74% apresentava outras profissões.

Em relação às características clínicas da amostra, 49.20% necessitaram de internação hospitalar em decorrência do desastre e 33.33% sofreram queimaduras. Acerca da qualidade de vida (SF-12), a média do CF foi de 49.86 ± 8.75 pontos e do CM 45.05 ± 11.15 pontos (Tabela 1).

Estratificando a amostra de acordo com os pontos de corte para o instrumento SF-12, observou-se que 42.9% da amostra apresentou baixa qualidade de vida no que se refere ao CF, enquanto 54% não atingiu o ponto de corte do CM, demonstrando que a saúde mental dos indivíduos investigados está mais prejudicada que a saúde física.






Pela classificação do BDI, 42 (66.66%) dos indivíduos foram considerados não-deprimidos, enquanto 21 (33.33%) estavam evidenciando sinais de depressão (p = 0.0001) (Figura 2). Comparando as características demográficas e clínicas entre os indivíduos com depressão (n = 21) e sem depressão (n = 42), observou-se que mais da metade da amostra com depressão (13 dos 21 indivíduos) encontrava-se na faixa etária dos 20 aos 29 anos. Da mesma forma, observou-se que os maiores índices de depressão estavam entre o sexo feminino, visto que 15 mulheres foram consideradas deprimidas e 6 dos homens foram classificados nesse grupo. Além disso, constatou-se que os indivíduos que não sofreram queimaduras (n = 17) e nem necessitaram de internação (n = 12) demonstram maiores níveis de depressão do que os que sofreram queimaduras (n = 4) e dos que necessitaram de internação (n = 9).






No que se refere aos níveis de ansiedade, a maioria da amostra investigada apresentou índice moderado de ansiedade para ambos os escores, sendo 29 (46%) para a ansiedade-traço (IDATE-T) e 37 (58.7%) para a ansiedade-estado (IDATE-E) (Figura 3).






Ao classificar o IDATE em seus níveis de ansiedade, analisando-o com as variáveis demográficas e clínicas, observou-se que um maior número de mulheres apresentou níveis elevados e altíssimosde ansiedade, em comparação aos homens, tanto traço (12 mulheres, 4 homens), quanto estado (10 mulheres, 1 homem).
Correlacionando as variáveis qualidade de vida, depressão e ansiedade, pode-se observar que o CM apresentou correlação forte e negativa com o IDATE-T (r = -0.764; p = 0.000), IDATE-E (r = -0.707; p = 0.000) e BDI (r = -0.797; p = 0.000). Já o CF apresentou correlação moderada e negativa com o IDATE-T (r = -0.364; p = 0.003) e o BDI (r = -0.385; p = 0.002). Ainda, o BDI evidenciou correlação forte e positiva com o IDATE-T (r = 0.765; p = 0.000) e correlação moderada e também positiva com o IDATE-E (r = 0.658; p = 0.000) (Tabela 2).






Discussão

Os resultados demonstraram que a qualidade de vida no componente mental do SF-12 está prejudicada na amostra pesquisada.Uma forte correlação foi observada entre baixo nível de qualidade de vidacom ansiedade-traço, ansiedade-estado e sintomas depressivos. Até onde sabemos, este é o primeiro estudo a avaliar a qualidade de vida de sobreviventes do incêndio na Boate Kiss em Santa Maria, RS, Brasil, e analisar sua associação com níveis de depressão e ansiedade.

No estudo de Wen e colaboradores,25 onde os autores também utilizaram o SF-12, foi constatado uma qualidade de vida significativamente menor em indivíduos moradores de áreas atingidas por uma inundação, comparando-os a indivíduos residentes de áreas próximas, porém não atingidas. Ainda encontraram que ambos os domínios, físico e mental, foram correlacionados negativamente com sintomas de estresse pós-traumático. Outro estudo avaliou uma população semelhante, porém através do SF-36, e encontrou qualidade de vida consideravelmente mais baixa nesses atingidos, quando comparados com indivíduos da mesma faixa etária, porém não atingidos.26 Ressalta-se que as populações avaliadas nesses estudos, tiveram grandes perdas materiais, o que pode agravar de forma significativa seu estado emocional.

No presente estudo foi demonstrado que o número de indivíduos com sintomas depressivos (BDI = 10) foi clinicamente significativo em relação à amostra total. Em relação aos níveis de ansiedade na amostra estudada, observou-se que mais da metade apresentou níveis moderados, sugerindo que eventos traumáticos, como o incêndio ocorrido na Boate Kiss, ocasionam uma grande influência sobre o estado emocional dos indivíduos. Tais resultados vão ao encontro de achados de outros estudosnos quais demonstram o profundo impacto de diferentes desastres sobre a saúde física e mental de sobreviventes, sendo possível observar medo, estresse, insônia e depressão.6,27,28

Apesar da amostra estudada ser constituída em sua maioria por mulheres, identificou-se que as mesmas apresentaram maiores índices de depressão e ansiedade quando comparadas aos homens. Essas variáveis foram analisadas anteriormente em populações afetadas por diferentes tipos de desastres, sendo que os autores também encontraram uma maior prevalência de sintomas depressivos e maiores índices de ansiedade no sexo feminino.29,30

Constatou-se neste estudo uma maior prevalência de depressão e ansiedade nos indivíduos que não sofreram trauma físico. Ao comparar tal achados aos demais encontrados na literatura, também foi constatado que sobreviventes de desastres que não sofreram danos corporais, como queimaduras, apresentaram maiores níveis de depressão e ansiedade do que os indivíduos que sofreram além do trauma emocional, o trauma físico.6,31 Schneider e colaboradores6 sugerem que o trauma emocional é mais impactante na qualidade de vida e depressão, do que o trauma físico.

Da mesma forma, maior prevalência de depressão e ansiedade também foi demonstrada em indivíduos que não necessitaram de internação hospitalar, porém presenciaram todo o desastre. Isso reforça o fato de que desastres podem levar a traumas de acordo com a intensidade da participação consciente nele. Além disso, é importante destacar que tais indivíduos não receberam o mesmo acolhimento multidisciplinar e cuidados especializados que os indivíduos acometidos fisicamente, acolhimento esse que pode ter ocasionado um maior conforto a estes indivíduos. Estudos vêm demonstrando que em pacientes cirúrgicos os níveis de ansiedade são menores quando estespacientes são acolhidos pela equipe de saúde.32,33

Em nosso estudo, foi evidenciada uma forte correlação entre baixo nível de qualidade de vida com ansiedade-traço, ansiedade-estado e sintomas depressivos. Tal achado sugere que os indivíduos com baixa qualidade de vida no CM podem apresentar ansiedade, tanto traço, quanto estado e depressão, enquanto que os indivíduos que apresentaram uma baixa qualidade de vida no CF são passíveis de apresentarem apenas ansiedade traço e depressão. Ao estabelecermos uma correlação entre os parâmetros de depressão com os de ansiedade, obteve-se uma associação positiva, indicando que indivíduos com depressão podem também apresentar ansiedade. Siqveland e colaboradores34analisaram qualidade de vida, depressão e sintomas de estresse pós-traumático em sobreviventes do tsunami na Tailândia, e encontraram uma associação negativa bem estabelecida entre sofrimento psíquico e qualidade de vida, concordando com os achados do presente estudo. Do mesmo modo, outro estudo avaliou sobreviventes e moradores da cidade de Nova Iorque após os ataques terroristas de 2001 e encontrou uma associação positiva entre níveis elevados de ansiedade e depressão com baixos níveis do componente mental do questionário SF-12.9

Em recente estudo conduzido por Yang e colaboradores,35 os autores analisaram a relação entre depressão e ansiedade em pacientes que sobreviveram à poliomielite na Coreia, sendo constatada uma associação significativa entre tais variáveis. Kotov e colaboradores36 correlacionaram depressão e ansiedade com desordens respiratórias, e observaram quetais variáveis foram associadas com os sintomas respiratórios dos indivíduos da amostra.
Algumas limitações do estudo devem ser ressaltadas. Dentre elas, pode-se mencionar o fato de que a amostra respondeu os questionários em períodos diferentes. Outro fator limitante foi a inexistência de dados prévios sobre as variáveis analisadas, tanto na fase anterior ao trauma quanto na fase aguda, impossibilitando a identificação da real influência do desastre nesses níveis. Além disso, dados como vulnerabilidade social e econômica poderiam aprofundar a análise e auxiliar na interpretação dos resultados. Também é importante destacar que pessoas afetadas por desastres geralmente não se sentem confortáveis em relembrar o ocorrido e autorrelatar seu estado emocional. Infere-se que tal questão possa ter influenciado no tamanho da amostra disposta a participar da pesquisa. Entretanto, mesmo sem um número maior da amostra e na ausência de um grupo controle, sugere-se que tais limitações não invalidam os nossos achados, principalmente em função de que a avaliação da qualidade de vida de sobreviventes do incêndio na Boate Kiss é inédita para a população avaliada.


Conclusão

Os resultados demonstraram que os indivíduos que inalaram fumaça tóxica no incêndio da Boate Kiss apresentaram, 28 meses após o desastre, uma diminuição da qualidade de vida, especialmente no componente mental. Além disso, observou-se moderados níveis de ansiedade e depressão, que foram fortemente associados a baixos níveis de qualidade de vida mental.

Tais achados evidenciam que populações afetadas por desastres necessitam de um acompanhamento longitudinal e multiprofissional. O fisioterapeuta é um dos profissionais envolvidos nesse cuidado e necessita compreender de uma forma global o estado físico e emocional de seus pacientes, já que isso pode interferir no processo de reabilitação.

Ressalta-se também a necessidade de que estudos prospectivos sejam realizados, contemplando a análise com outras variáveis que auxiliem a compreender os efeitos psicológicos a curto e a longo prazo nos pacientes envolvidos em desastres, e sua implicância no processo de recuperação dos mesmos.



Bibliografía del artículo
1. Dal Ponte ST, Dornelles CF, Arquilla B, Bloem C, Roblin P. Mass-casualty response to the Kiss nightclub in Santa Maria, Brazil. Prehosp Disaster Med 30(1):93-6, 2015.
2. Atiyeh B. Desastre na Boate Kiss, Brasil. Rev Bras Cir Plást 27(4):502, 2013.
3. Antônio ACP, Castro PS, Freire LO. Lesão por inalação de fumaça em ambientes fechados: uma atualização. J Bras Pneumol 39(3):373-81, 2013.
4. Becker SM. Psychosocial care for adult and child survivors of the tsunami disaster in India. J Child Adolesc Psychiatr Nurs 20(3):148-55, 2007.
5. Madrid PA, Sinclair H, Bankston AQ, y col. Building integrated mental health and medical programs for vulnerable populations post-disaster: connecting children and families to a medical home. Prehospital Disaster Med 23(4):314-21, 2008.
6. Schneider JC, Trinh N-HT, Selleck E, y col. The long-term impact of physical and emotional trauma: the station nightclub fire. PLOS One 7(10):e47339, 2012.
7. Zaetta C, Santonastaso P, Favaro A. Long-term physical and psychological effects of the Vajont disaster. European Journal of Psychotraumatology 2:8454, 2011.
8. North CS, Pfefferbaum B, Kawasaki A, Lee S, Spitznagel EL. Psychosocial adjustment of directly exposed survivors seven years after the Oklahoma city bombing. Compr Psychiatry 52(1):1-8, 2011.
9. Boscarino JA, Adams RE, Figley CR. Mental health service use 1-year after the World Trade Center disaster: implications for mental health care. Gen Hosp Psychiatry 26(5):346-58, 2004.
10. North CS. Current research and recent breakthroughs on the mental health effects of disasters. Curr Psychiatry Rep 16(10):481, 2014.
11. Gonçalves MP, Pasqualoto AS, Albuquerque IM, Trevisan ME. Cuidados agudos no paciente com lesão por inalação de fumaça. In: Martins JA, Andrade FMD, Dias CM, organizadores. Associação Brasileira de Fisioterapia Cardiorrespiratória e Fisioterapia em Terapia Intensiva. Porto Alegre: Artmed Panamericana, pp. 109-43, 2014.
12. Herbert R, Moline J, Skloot G, y col. The World Trade Center disaster and the health of workers: five-year assessment of a unique medical screening program. Environ Health Perspect 114(12):1853-8, 2006.
13. Prezant DJ, Weiden M, Banauch GI, y col. Cough and bronchial responsiveness in firefighters at the World Trade Center site. N Engl J Med 347(11):806-15, 2002.
14. Szczeniak D, Jawiarczyk-Przybykowska A, Rymaszewska J. The Quality of Life and Psychological, Social and Cognitive Functioning of Patients with Acromegaly. Adv Clin Exp Med 24(1):167-172, 2015.
15. Yang CY, Chiou SL, Wang JD, Guo YL. Health related quality of life and polychlorinated biphenyls and di-benzofurans exposure: 30 years follow-up of Yucheng cohort. Environmental Research 137:59-64, 2015.
16. Polinder S, Haagsma J, Belt E, y col. A systematic review of studies measuring health-related quality of life of general injury populations. BMC Public Health 10(783):1-13, 2010.
17. Silveira MF, Almeida JC, Freire RS, Haikal DSA, Martins AEBL. Propriedades psicométricas do instrumento de avaliação de qualidade de vida: 12-item health survey (SF-12). Ciência & Saúde Coletiva 18(7):1923-31, 2013.
18. Gorestein C, Andrade L. Inventário de depressão de Beck: propriedades psicométicas da versão em português. Rev Psiquiatr Clín [edição online] 25(5, 1998). Disponível em: URL: http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol26/vol25/n5/depre255b.htm#1.
19. Biaggio AMB, Natalício L, Spielberger CD. Desenvolvimento da forma experimental em português do Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE), de Spielberger. Arq Bras Psic Apl 29(3):31-44, 1977.
20. Ware JE, Kosinski M, Keller SD. SF-12: How to Score the SF-12 Physical and Mental Health Summary Scales. 2nd ed. Boston(MA): The Health Institute; 1995.
21. Ware JE, Kosinski M, Turner-Bowker DM, Gandek B. User's Manual for the SF-12v2® Health Survey with a Supplement Documenting SF-12® Health Survey. Lincoln(RI): QualityMetric Incorporated, 2009.
22. Falavigna A, Teles AR, Braga GL, Conzatti LP, Ruschel LG, Silva PG. Association between primary headaches and depression in young adults in southern Brazil. Rev Assoc Med Bras 59(6):589-93, 2013.
23. Lemos C, Gottschall CAM, Pellanda LC, Müller M. Associação entre depressão, ansiedade e qualidade de vida após infarto agudo do miocárdio. Psicol Teor Pesqui 24(4):471-6, 2008.
24. Spielberger CD, Gorsuch RL, Lushene RE. Manual for the State-Trait Anxiety Inventory. Palo Alto (CA): Consulting Psychologist Press; 1970.
25. Wen J, Shi YK, Li YP, Yuan P, Wang F. Quality of Life, physical diseases, and psychological impairment among survivors 3 Years after Wenchuan Earthquake: a population based survey. Plos One 7(8):1-7, 2012.
26. Wu J, Xiao J, Li T, y col. A cross-sectional survey on the health status and the health-related quality of life of the elderly after flood disaster in Bazhong city, Sichuan, China. BMC Public Health 15(163):1-8, 2015.
27. Martin U. Health after disaster: A perspective of psychological/health reactions to disaster. Cogent Psychology 2:1053741, 2015.
28. Fernandes GCM, Boehs AE. Rotinas de cuidado em relação à saúde de famílias em transição após um desastre natural. Rev Latino-Am Enfermagem 21(4):[8 telas], 2013.
29. Xu J, Wei Y. Social support as a moderator of the relationship between anxiety and depression: an empirical study with adult survivors of Wenchuan earthquake. PLOS One 8(10) e79045, 2013.
30. Niitsu T, Takaoka K, Uemura S, y col. The psychological impact of a dual-disaster caused by earthquakes and radioactive contamination in Ichinoseki after the Great East Japan Earthquake. BMC Research Notes 7(307):1-7, 2014.
31. Trinh N-HT, Nadler DL, Shie V, y col. Psychological sequelae of the Station nightclub fire: comparing survivors with and without physical injuries using a mixed-methods analysis. PLOS One 23;9(12):e115013, 2014.
32. Frias TFP, Costa CMA, Sampaio CEP. O impacto da visita pré-operatória de enfermagem no nível de ansiedade de pacientes cirúrgicos. Rev Min Enferm 14(3):345-52, 2010.
33. Assis CC, Lopes JL, Nogueira-Martins LA, Barros ALBL. Acolhimento e sintomas de ansiedade em pacientes no pré-operatório de cirurgia cardíaca. Rev Bras Enferm 67(3):401-7, 2014.
34. Siqveland J, Nygaard E, Hussain A, Tedeschil RG, Heir T. Posttraumatic growth, depression and posttraumatic stress in relation to quality of life in tsunami survivors: a longitudinal study. Health Qual Life Outcomes 13(18):2-8, 2015.
35. Yang EJ, Lee SY, Kim K, y col. Factors associated with reduced quality of life in polio survivors in Korea. PLOS One 29;10(6):e0130448, 2015.
36. Kotov R, Bromet EJ, Schechter C, y col. Posttraumatic stress disorder and the risk of respiratory problems in World Trade Center responders: longitudinal test of a pathway. Psychosom Med 77:438-48, 2015.

© Está  expresamente prohibida la redistribución y la redifusión de todo o parte de los  contenidos de la Sociedad Iberoamericana de Información Científica (SIIC) S.A. sin  previo y expreso consentimiento de SIIC

anterior.gif (1015 bytes)

 


Bienvenidos a siicsalud
Acerca de SIIC Estructura de SIIC


Sociedad Iberoamericana de Información Científica (SIIC)
Arias 2624, (C1429DXT), Buenos Aires, Argentina atencionallector@siicsalud.com;  Tel: +54 11 4702-1011 / 4702-3911 / 4702-3917
Casilla de Correo 2568, (C1000WAZ) Correo Central, Buenos Aires.
Copyright siicsalud© 1997-2024, Sociedad Iberoamericana de Información Científica(SIIC)