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TROPONINAS CARDÍACAS NA AVALIAÇÃO PROGNÓSTICA E ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
(especial para SIIC © Derechos reservados)
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Autor:
Carlos Henrique Del Carlo
Columnista Experto de SIIC

Institución:
Universidade de São Paulo

Artículos publicados por Carlos Henrique Del Carlo 

Recepción del artículo: 15 de agosto, 2012

Aprobación: 22 de octubre, 2012

Primera edición: 7 de junio, 2021

Segunda edición, ampliada y corregida 7 de junio, 2021

Conclusión breve
A insuficiência cardíaca é uma síndrome clínica, caracterizada por alta morbidade, mortalidade e diminuição da qualidade de vida. A utilização de biomarcadores de lesão miocárdica altamente sensíveis e específicos (troponinas cardíacas) tem demonstrado utilidade na avaliação prognóstica destes pacientes.

Resumen

Introdução: As troponinas cardíacas (T e I) foram detectadas na insuficiência cardíaca (IC), tanto na forma crônica avançada, quanto na descompensada, de etiologia isquêmica e não-isquêmica, estando associadas com mau prognóstico. O objetivo deste estudo foi analisar a prevalência das troponinas, mecanismos de liberação e seu valor prognóstico e na estratificação de risco dos pacientes com IC. Resultados: A prevalência das troponinas na IC tem variado amplamente, desde 6.2% até 83.9% (média: 40%), dependendo da sensibilidade do teste e da população estudada. Os mecanismos envolvidos na liberação das troponinas cardíacas na IC permanecem especulativos, mas parecem estar relacionados com os mecanismos de progressão da IC. A presença de lesão miocárdica subclínica, detectada pelas troponinas, é um marcador de mau prognóstico na IC. Diferentes estratégias de detecção das troponinas na IC: determinação única, grau de elevação pela faixa de valores, medida seriada e associação com outros biomarcadores, são formas simples e confiável para avaliação prognostica e estratificação de risco desses pacientes. Conclusão: A detecção das troponinas é um marcador de mau prognóstico na IC. A abordagem terapêutica para redução dos níveis de troponinas na IC abre novas perspectivas para o desenvolvimento de estratégias para prevenção da lesão celular na IC.

Palabras clave
biomarcadores, troponina cardíaca T, troponina cardíaca I, insuficiência cardíaca, prognóstico

Clasificación en siicsalud
Artículos originales> Expertos del Mundo>
página www.siicsalud.com/des/expertos.php/124349

Especialidades
Principal: CardiologíaDiagnóstico por Laboratorio
Relacionadas: BioquímicaCuidados IntensivosGeriatríaMedicina Interna

Enviar correspondencia a:
Carlos Henrique Del Carlo, Universidade de São Paulo Instituto do Coração Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, CEP: 02020, San Pablo, Brasil

Cardiac troponins in the prognostic evaluation and risk stratification of heart failure

Abstract
Introduction: Cardiac troponins (T and I) were detected in heart failure (HF), both in advanced chronic form, as in those of decompensated, ischemic and nonischemic etiology, and are associated with poor prognosis. The objective of this study was to analyze the prevalence of troponins, release mechanisms and their value in prognosis and risk stratification of patients with HF.

Results: The prevalence of troponins in HF has varied widely, from 6.2% to 83.9% (average: 40%), depending on the sensitivity of the test and the population studied. The mechanisms involved in the release of cardiac troponins in HF remain speculative, but seem to be related to the mechanisms of progression of HF. The presence of subclinical myocardial damage detected by troponins is a marker of poor prognosis in HF. Different strategies for the detection of troponins in HF: sole determination, the degree of elevation range, serial measurements and association with other biomarkers, are simple and reliable ways to assess prognostic and risk stratification of these patients.

Conclusion: The detection of troponins is a marker of poor prognosis in HF. The therapeutic approach to reducing levels of troponins in HF opens new perspectives for the development of strategies for prevention of cellular injury in heart failure.


Key words
biomarkers, prognosis, heart failure, cardiac troponin T, cardiac troponin I

TROPONINAS CARDÍACAS NA AVALIAÇÃO PROGNÓSTICA E ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

(especial para SIIC © Derechos reservados)

Artículo completo
Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) representa um importante problema de saúde pública no Brasil e em toda a América Latina, devido as suas altas taxas de incidência e prevalência, baixa sobrevida e altos custos sócio-econômicos desta síndrome progressiva e debilitante. Os estudos epidemiológicos sobre IC no Brasil e na América Latina são escassos, sendo que a maior parte do conhecimento sobre IC provém de estudos Americanos e Europeus. A principal fonte de dados epidemiológicos sobre IC no Brasil são derivados do DATASUS do Ministério da Saúde. No Basil, as doenças cardiovasculares representaram, em 2007, a terceira causa de hospitalização, sendo que a IC foi a principal causa de internação neste grupo de doenças, com um custo aproximado de 233 milhões de reais,1 representando cerca de 40% das hospitalizações por doença cardiovascular, com 70% dos pacientes apresentando mais de 60 anos.2
Pelo seu impacto social, o estudo da IC é uma prioridade para entendermos melhor o seu mecanismo fisiopatológico, desenvolver novas estratégias terapêuticas e identificar marcadores prognósticos que auxiliem os clínicos na tomada de decisões. Nesse último aspecto, o estudo dos biomarcadores na IC tem apresentado interesse crescente, tanto no diagnóstico, prognóstico quanto na utilização desses marcadores como guia terapêutico na IC. O termo biomarcadores foi definido como: “característica que é objetivamente medida e avaliada como um indicador de um processo biológico normal, processo patológico, ou reposta farmacológica a uma intervenção terapêutica”.3 Neste artigo, estaremos nos referindo aos biomarcadores séricos na IC. Dentre os biomarcadores na IC, os estudos demonstrando a liberação das troponinas cardíacas (T e I) na IC têm recebido interesse crescente. As troponinas cardíacas são marcadores altamente sensíveis e específicos de lesão miocárdica. Além das síndromes coronarianas agudas, as troponinas cardíacas têm sido detectadas em outras condições clínicas, inclusive na IC, tanto na forma avançada, quanto na descompensada, estando associadas com piora do prognóstico. Neste artigo abordaremos o papel das troponinas cardíacas na avaliação prognóstica e estraticação de risco na IC.

Troponinas cardíacas na detecção de lesão miocárdica

As troponinas consistem de 3 subunidades proteicas: troponina I (cTnI), troponina T (cTnT) e troponina C. Estas proteínas estão localizadas nas miofibrilas do tecido muscular esquelético e cardíaco em intervalos regulares ao longo dos filamentos de actina. As troponinas são expressas por diferentes genes e tem um papel fundamental na regulação da contração muscular mediada pelo cálcio. As isoformas muscular esquelética e cardíaca da cTnT e cTnI são codificadas por diferentes genes e diferem na sua estrutura. Assim, as isoformas esqueléticas não são detectadas pelos ensaios atualmente disponíveis baseados em anticorpos monoclonais. Como resultado da seqüência única de aminoácidos, alta concentração intracelular, e liberação contínua pelo miocárdio lesado,4 os imunoensaios desenvolvidos para a detecção das proteínas cardíacas miofibrilares (cTnT e cTnI) constituem nos marcadores séricos mais sensíveis e específicos para detecção de lesão miocárdica tendo papel fundamental no diagnóstico e conduta nas síndromes coronarianas agudas.5 A troponina C não é utilizada clinicamente, pois tanto o músculo cardíaco como o músculo liso compartilha isoformas da troponina C.

Elevações das troponinas foram relatadas em outras condições clínicas além das síndromes coronarianas agudas (Tabela 1).








A detecção das troponinas também foi estudada na população geral. Na revisão de amostras de plasma de 3 557 participantes do Dallas Heart Study, foram avaliados a prevalência da elevação da cTnT na população geral.6 A elevação da cTnT (> 0.01 ng/ml) foi observada em 0.7% da população e ocorreu primariamente nos indivíduos com insuficiência cardíaca, hipertrofia ventricular, doença renal crônica, ou diabetes mellitus, sendo que cada uma dessas condições clínicas foi independentemente associada com a elevação da cTnT. Os dados deste estudo confirmam que pequenas elevações das troponinas podem ser conseqüentes à doença cardíaca estrutural na ausência de um processo agudo.

Detecção das troponinas cardíacas na insuficiência cardíaca

O primeiro estudo demonstrando a associação entre troponinas cardíacas e IC foi descrita por Missov et al.7 com relação a cTnI. Nesse estudo, a cTnI (ELISA) estava acima do limite normal (0.1 ng/ml) em 2/11 pacientes (18.2%) do grupo com IC em fase final e dentro da normalidade em todos os indivíduos do grupo controle (n = 11). Os autores concluíram que alguns pacientes com IC na sua fase final, poderiam ter níveis elevados de cTnI, sendo que esse marcador refletiria a destruição miocárdica crônica e poderia fornecer informações úteis com relação ao momento do transplante cardíaco. Posteriormente o mesmo grupo de pesquisadores,8 utilizando um imunoensaio altamente específico para detecção da cTnI (valor de corte: 10 pg/ml e limite de detecção: 3 pg/ml), forneceu a primeira evidência da presença de níveis séricos elevados dessa troponina em pacientes com IC na fase avançada. A cTnI foi detectada em 10/11 pacientes (90.9%) com insuficiência cardíaca e esteve abaixo do limite de detecção em todos os controles (n = 11). Além disso, observou-se correlação negativa entre os níveis de cTnI e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (R = -0.70; p = 0.01). Em 1997 foi publicado o relato final fornecendo a primeira evidência relacionando a degradação das proteínas miofibrilares cardíacas com os níveis séricos da cTnI na IC.9 Nesse estudo utilizou-se o ensaio altamente sensível para detecção da cTnI em 35 pacientes com IC em fase final comparado com 55 indivíduos normais e 25 pacientes hospitalizados sem doença cardíaca conhecida. Foi observado que a cTnI apresentava a concentração média significativamente maior nos pacientes com IC (72.1 + 15.8 pg/ml) quando comparado com os indivíduos normais (20.4 + 3.2 pg/ml) e os pacientes hospitalizados (36.5 + 5.5 pg/ml).


Prevalência da elevação das troponinas cardíacas na insuficiência cardíaca

Vários estudos têm analisado a prevalência das troponinas na IC, sendo que a mesma tem variado dependendo da sensibilidade do teste utilizado e do tipo de população estudada. Para a cTnT existe apenas um teste disponível para detecção (Roche Diagnostics), com limite detecção de 0.01 ng/ml, sendo que o ponto de corte estabelecido para o diagnóstico de infarto do miocárdio é de = 0.1 ng/ml. Entretanto, para a cTnI existem vários testes disponíveis comercialmente, com diferentes pontos de corte e sensibilidade. A detecção das troponinas na IC tem sido estudada principalmente nos pacientes com IC descompensada e naqueles com a doença em fase avançada. Em uma revisão recente10 foi observado que nos pacientes com IC descompensada ou avançada, a cTnT foi detectada em média em 35% dos pacientes, enquanto que a cTnI em 40% dos pacientes. Observamos níveis elevados da cTnT em 83.9% dos pacientes com IC descompensada em estágio avançado de etiologia isquêmica e não-isquêmica, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) média de 29.5%, incluindo pacientes com Doença de Chagas.11


Mecanismos envolvidos na liberação das troponinas cardíacas na insuficiência cardíaca

O fato de que as troponinas cardíacas foram detectadas no plasma de pacientes com IC isquêmica e não-isquêmica sugere que outros mecanismos fisiopatológicos, além da isquemia miocárdica, estejam envolvidos na liberação das troponinas na IC. Várias teorias têm sido sugeridas, entretanto, os mecanismos envolvidos na liberação das troponinas cardíacas nos pacientes com IC permanecem especulativos, mas parecem estar relacionados com os mecanismos de progressão da IC.12


Remodelação miocárdica

A remodelação miocárdica é considerada como o aspecto central no desenvolvimento e progressão da insuficiência cardíaca.13 Modelos experimentais têm auxiliado no entendimento do processo de remodelação miocárdica e sua relação com a liberação das troponinas cardíacas. Ricchiuti et al.14 comparou as alterações na cTnT e cTnI tecidual em um modelo experimental de IC pós-infarto em porcos (ventrículo esquerdo remodelado) e porcos sadios, tendo observado diminuição significante na massa proteica e nas concentrações das cTnT e cTnI nos corações com remodelação ventricular esquerda. Concluiu-se que a diminuição na troponina cardíaca tecidual poderia estar relacionada com a diminuição na síntese destas proteínas através do RNA mensageiro, perda crônica das troponinas cardíacas associadas com a disfunção ventricular esquerda, diminuição no fluxo coronário, e anormalidades bioenergéticas. Entretanto, neste estudo as troponinas cardíacas não foram quantificadas na circulação dos porcos com remodelação ventricular esquerda para correlacionar seus níveis séricos com a perda destas proteínas observadas no miocárdio remodelado.


Apoptose na IC

Apesar das evidências comprovando a presença da apoptose no remodelamento miocárdico patológico e na IC avançada,15,16 a importância fisiopatológica da apoptose na progressão da IC para o seu estágio final é desconhecido, mas existem fortes evidências de que a apoptose contribua para a progressão da IC.17 Foi observado que aproximadamente 0.2% das células miocárdicas, em pacientes com IC em fase final, são apoptóticas. Apesar de essa proporção ser pequena, a perda de 0.2% de células por dia durante 1 ano resultaria na perda de mais de 50% da massa de cardiomiócitos.18


Doença arterial coronária

A doença arterial coronária é a principal etiologia da IC.19 Pacientes com miocardiopatia isquêmica podem apresentar processo isquêmico recorrente com necrose miocárdica não identificada clinicamente e resultando na liberação das troponinas cardíacas, episódios de descompensação da IC e progressão desta síndrome para a sua fase avançada. Achados de autópsia em pacientes com IC do estudo ATLAS,20 mostrou prevalência de 33% para eventos coronarianos recentes observados na autópsia, demonstrando que estes eventos não são freqüentemente reconhecidos em pacientes com IC moderada e avançada.


Disfunção endotelial e alterações na microcirculação coronária

A IC parece exercer um papel causal na disfunção endotelial, pois as alterações associadas com a IC (aumento na atividade da enzima de conversão da angiotensina, ativação das citocinas, aumento no estresse oxidativo, e diminuição no fluxo sanguíneo periférico) podem diminuir a função endotelial pela redução na síntese e liberação de óxido nítrico ou pelo aumento na degradação do óxido nítrico e aumento na produção de endotelina-1. Por outro lado, a disfunção endotelial parece promover a progressão da IC pelo aumento na pós-carga, piora da isquemia miocárdica e depressão direta da função ventricular.21 Em um modelo experimental de cardiomiopatia em hamsters sírio foram observadas alterações na microcirculação coronária com a presença de miocitólise causada por espasmo microvascular.22 Desta forma, a doença microvascular miocárdica tem sido implicada como um fator contribuinte na necrose miocárdica focal e disfunção ventricular na progressão da IC.23,24 Observou-se redução no fluxo sanguíneo miocárdico regional em pacientes com cardiomiopatia dilatada idiopática apoiando o papel da isquemia miocárdica regional na gênese da disfunção ventricular.25 Na hipertrofia ventricular também se observa redução na reserva vasodilatadora coronária devido a alterações na microcirculação coronária.26 Dentre os mecanismos responsáveis pela diminuição da reserva coronária, encontra-se a compressão extravascular dos vasos coronários com elevação da sua resistência e o espessamento da parede das arteríolas coronárias. Desta forma, as evidências sugerem que a disfunção endotelial e as alterações na microcirculação coronária na IC, podem levar a isquemia miocárdica com destruição do cardiomiócito e conseqüente liberação das troponinas cardíacas em algumas formas de IC.


Aumento nas pressões de enchimento do ventrículo esquerdo e degradação da troponina cardíaca I

Evidências de estudos clínicos e experimentais sugerem que o aumento da pré-carga, uma condição comumente observada em pacientes com IC, possa levar a degradação cTnI. O aumento nas pressões de enchimento do ventrículo esquerdo com o estiramento dos miócitos poderia induzir a isquemia da porção externa da parede do miocárdio com liberação da cTnI.27 Em um estudo experimental foi observada a degradação da cTnI com a elevação da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo na ausência de isquemia sendo que neste mesmo experimento a degradação da cTnI foi bloqueada com inibidores de proteases endógenas.28 Com base nestes achados sugeriu-se que o aumento da pré-carga pudesse induzir a degradação da troponina I através da ativação de proteases endógenas.


Lesão celular miocárdica na Doença de Chagas

As troponinas cardíacas foram detectadas em pacientes com cardiomiopatia da Doença de Chagas, tanto na forma crônica, quanto na forma descompensada.29-31 A patogênese da miocardiopatia chagásica não está completamente compreendida, entretanto, 4 mecanismos patogenéticos principais foram propostos para explicar o desenvolvimento da cardiomiopatia da Doença de Chagas: distúrbios do sistema nervoso autônomo, alterações microvasculares, agressão miocárdica dependente do parasita, lesão miocárdica imuno-mediada.32 Em um estudo avaliando os padrões da microcirculação e da matrix intersticial do miocárdio de pacientes com cardiomiopatia dilatada idiopática e com cardiopatia da Doença de Chagas foram observados numerosos focos de fibrose na Doença de Chagas com algumas áreas remanescentes de focos de infarto do miocárdio, dilatação arteriolar difusa associada com tortuosidade da microcirculação e hipertrofia ventricular importante.33 As alterações observadas na microcirculação podem comprometer a perfusão tecidual levando a múltiplos focos de infarto, com destruição lenta do miocárdio e dilatação ventricular na Doença de Chagas e conseqüentemente na liberação de troponinas cardíacas.



Troponinas cardíacas na avaliação prognóstica e estratificação de risco na insuficiência cardíaca

O valor prognóstico das troponinas cardíacas na IC tem recebido interesse crescente. O primeiro estudo avaliando a relação das troponinas com o prognóstico da IC foi publicado por La Vecchia e cols. em 1997.34 Os autores estudaram 26 pacientes com IC não isquêmica, tendo observado que o grupo com cTnI detectada, apresentavam pior classe funcional da NYHA, maior Escore de IC de Boston, menor fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), necessitaram de dose média maior de furosemida e tiveram pior evolução clínica. Nos pacientes com aumento dos níveis de cTnI que sobreviveram durante a hospitalização, todos tiveram normalização dos níveis séricos deste marcador.

Vários estudos têm analisado a relação entre a liberação das troponinas cardíacas na IC com o prognóstico desta síndrome. Apesar das diferentes populações com IC analisadas: isquêmica e não-isquêmica, aguda e crônica, pacientes hospitalizados e ambulatoriais, e com diferentes tamanhos de amostras; os resultados desses estudos têm consistentemente demonstrado a associação das troponinas cardíacas com pior prognóstico nesta síndrome clínica. Tem-se observado que pequenas elevações das troponinas estão associadas com eventos clínicos adversos na IC. Estudamos 70 pacientes hospitalizados com IC descompensada, FEVE média de 31.3%, com relação ao valor prognóstico da troponina T. Níveis de cTnT > 0.02 ng/ml foram associados com maior risco de morte ou hospitalizações em 1 ano de seguimento (89.4% vs. 61.9%, p = 0.016). O maior estudo correlacionando o valor prognóstico das troponinas cardíacas na IC foi o estudo ADHERE (Acute Decompensated Heart Failure National Registry).35 Neste estudo foram analisados 67 924 pacientes hospitalizados por IC descompensada com creatinina < 2.0 mg/dl e que tiveram dosagem de troponina (cTnT ou cTnI) nas primeiras 24 horas da admissão. Observou-se que 6.2% dos pacientes tiveram troponina positiva (cTnT ou cTnI: = 0.1 ng/ml). Os pacientes com troponina positiva apresentaram maior taxa de mortalidade hospitalar em relação aos pacientes com troponina negativa (8.0% vs. 2.7%, p < 0.001). O estudo EFFECT36 analisou 2 025 pacientes hospitalizados por IC descompensada com relação ao valor prognóstico da cTnI nas primeiras 48 horas da admissão com relação à mortalidade por todas as causas em até 1 ano de seguimento. A elevação da cTnI > 0.5 ng/ml foi preditor independente de mortalidade neste grupo de pacientes (hazard ratio [HR] = 1.49; p < 0.001).

O valor prognóstico das troponinas na IC crônica estável foi definido em um subestudo do estudo Val-HeFT (Valsartan Heart Failure trial).37 A cTnT (limite de detecção = 0.01 ng/ml) foi detectada em 10.4% dos 4 053 pacientes com IC crônica estável, FEVE < 40%. A elevação dos níveis da cTnT foi preditor independente para morte (HR = 2.08; p < 0.0001) e primeira hospitalização por IC (HR = 1.55; p < 0.0001). Durante o seguimento médio de 2 anos, a taxa de mortalidade para os pacientes com cTnT detectada vs não-detectada foi de 43.3% vs. 16.5% (p < 0.0001).

Além do valor prognóstico da dosagem isolada cTnT e cTnI na IC, também se observou que a faixa de valores com relação à elevação deste biomarcador apresenta relação incremental com o risco de eventos clínicos adversos, auxiliando na estratificação de risco desses pacientes. Tanto nos estudos ADHERE, EFFECT, quanto no Val-HeFT analisou-se a relação dose-resposta dos níveis de troponina, divididos em quartis com relação às taxas de mortalidade, tendo-se observado que níveis mais elevados das troponinas foram significativamente associados com maiores taxas mortalidade.

Para avaliar a relação entre as faixas de elevação da cTnT e o prognóstico na IC descompensada, dividimos os pacientes com relação aos níveis cTnT em 3 subgrupos: baixo (cTnT = 0.020 ng/ml, n = 22), intermediário (cTnT > 0.020 e < 0.100 ng/ml, n = 36) e alto (cTnT = 0.100 ng/ml, n = 12). Observamos relação inversa entre a probabilidade de sobrevida (54.2%, 31.5%, 16.7%, p = 0.020) e sobrevida livre de eventos (36.4%, 11.5%, 8.3%, p = 0.005) em relação ao aumento da cTnT nestes subgrupos.

A análise da medida evolutiva das troponinas na IC também tem sido uma estratégia útil na estratificação de risco destes pacientes. Em um coorte de 62 pacientes com IC descompensada nos quais a cTnT apresentou elevação ou manteve-se persistentemente elevada (= 0.02 ng/ml nos primeiros 4 dias da admissão e 7 dias após), apresentaram menor sobrevida livre de eventos (45.0% vs. 9.5%; p = 0.005), em relação aos pacientes com redução dos níveis de cTnT. Miller e cols.38 analisaram o valor prognóstico da medida seriada da cTnT em 172 pacientes com IC crônica estável (classe funcional III–IV da NYHA). Os pacientes foram divididos em 3 grupos com relação a cTnT: sem elevação da cTnT (< 0.01 ng/ml), 1 ou mais cTnT elevada mas não todas (= 0.01 ng/ml) e cTnT persistentemente elevada. Os autores observaram que a cTnT persistentemente elevada foi associada com maior risco de morte ou transplante cardíaco.

A associação dos níveis de troponinas com outros biomarcadores na IC (BNP/NT-ProBNP) também tem auxiliado na estratificação de risco dos pacientes em subgrupos com base na positividade desses marcadores. Ishii e cols.39 o observaram que a combinação da cTnT (> 0.033 µg/l) e o BNP (> 440 pg/ml) na admissão de pacientes com IC descompensada estratificou esses pacientes em subgrupos de risco (baixo, intermediário e alto) para eventos cardíacos, baseados na combinação da positividade desses marcadores.


Conclusão

A presença de lesão miocárdica subclínica na IC é um marcador de mau prognóstico nestes pacientes, podendo estar relacionada com os mecanismos de progressão da IC. A detecção das troponinas cardíacas por determinação única, pelo seu grau de elevação conforme a faixa de valores, pela medida seriada e a associação com outros biomarcadores, são estratégias simples e confiável na avaliação prognostica e estratificação de risco desses pacientes. A abordagem terapêutica para redução dos níveis das troponinas na IC descompensada e avançada abre novas perspectivas para o desenvolvimento de estratégias para prevenção da lesão celular na IC.


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